O cartaz do filme, lançado em agosto de 2015, na Casa da Cultura Câmara Torres, no Bairro Histórico de Paraty. (Divulgação) |
O Saco do Fundão, visto de satélite. (Divulgação) |
Marcelo Câmara*
O Fundão é
um paradisíaco fundo de golfo, quase um pequeno fiorde, no litoral sul de Paraty,
RJ, entre a Ponta Grossa e o Saco do Mamanguá. O Saco do Fundão. Era a sua costa, em meados do Século XIX,
uma de muitas glebas de terra de Domingos Feliciano Corrêa, grande proprietário
de fazendas, produtor rural, patriarca de grande descendência, famoso pelas
Cachaças que fabricava, inclusive estabelecendo o primeiro engenho a vapor em
Paraty no final do Século XIX. Porém, a legendária Fazenda do Fundão não
foi obra de Domingos, mas construída e consolidada, no início do século
passado, por um de seus filhos, Pedro Erasmo de Alvarenga Corrêa, conhecido
como Seu Peroca, outro afamado fazendeiro, brilhante alambiqueiro,
exímio administrador rural.
De barco, rumo à Praia do Ubá, na Fazenda do Fundão, no fundo do golfo. (Divulgação) |
A Fazenda
do Fundão foi um belo sítio de produção agrícola, com casa grande, lago, engenho
com roda d’água para produção de Cachaça, rapadura e melado, paiol, curral de
leite, pátio para secagem de feijão e cereais, inúmeras
espécies silvestres e frutíferas, canavial, várias lavouras, pomar, criação de
gado e de muitos animais, hortas, variados cultivos, praia, mangue. O Fundão
fez história pela excelência de seus produtos e pela maneira notável, então
moderna e eficiente, de como era bem administrada. Pai, com Domingas Ayres
Corrêa, de prole numerosa – treze filhos, dois homens e onze mulheres - e laureado aguardenteiro, Seu Peroca produzia as célebres e
premiadas marcas de Cachaça: Branca do Peroca, Azulada do Peroca e
Branca do Fundão. Algumas garrafas delas tenho orgulhosamente comigo, e as
bebo em dias extraordinários. Uma tradição oral em Paraty informa que o Seu Peroca inventou a Cachaça azuladinha, no início do Século XX, colocando folhas de tangerina ou de laranjeira, na panela do alambique. Assim como fora o criador também de três tipos, denominações, de Cachaças especialíssimas, compostas, maravilhosas, incolores, transparentes como água, que só existiam em Paraty: a Laranjinha, a Lourinha e a Canelinha, com os sabores sutis, discretos, ao final do gole, da laranja, do louro e da canela, respectivamente. Hoje, nenhum alambiqueiro se arrisca a fabricá-las na Excelência Sensorial com que fazia o Seu Peroca e, nas décadas de 1960 e 1970, Ormindo M. Brasil, empregado do Engenho da Dona Quita, que criou e fabricava a Cachaça Coqueiro, uma das melhores do mundo, marca de excelência, hoje de propriedade de um sobrinho-neto do Seu Peroca, destilado que continua primoroso, com a mesma altíssima qualidade.
A sede da Fazenda do Fundão por volta de 1930. (Divulgação) |
A filha
caçula do Seu Peroca (apenas ela e uma irmã estão vivas), a professora
e escritora Maria Thereza Corrêa Ermelich, hoje com oitenta anos, vivia em São Paulo, SP desde o casamento em 1962 e, nas
suas vindas a Paraty durante o desmonte do Fundão e, finalmente, com a sua
destruição total, sofreu, chorou, se amargurou muito. A partir de 2002, ela e o marido resolveram viver definitivamente em Paraty. Maria
Thereza, a Teleca, se transformou numa surpreendente escritora, uma cronista de brilhante memória e senso etnográfico, uma artista de grande talento. Em 2016, ficou viúva, retornando a São Paulo, onde vive atualmente.
O
documentário longa-metragem Dias de Infância – Memória da Fazenda do Fundão,
de Tati Beck, de 2015, é uma extraordinária obra de arte. Belíssimo! Um filme
para chorar, sorrir, pensar, amar. Admirável, majestosa, impressionante a
capacidade da cineasta para recriar, atualizar, sublimar e eternizar,
cinematograficamente, como arte cinematográfica, como Cinema, os dois preciosos
livros artesanais de Maria Thereza Corrêa Ermelich, atualmente com oitenta anos. São eles: Histórias
Frutíferas – Lembranças da infância na Fazenda do Fundão em Paraty (Ed. da
autora, 2ª ed. revisada, Paraty, 2010), o primeiro a ser lançado, em 2008: e Lembrou-se, Xiba e Zepelim –
Histórias da antiga Fazenda do Fundão em Paraty (Ed. da autora, 2ª ed.
revisada, Paraty, 2009), lançado em 2009. Para escrever e publicar os dois livros, Maria Thereza
teve a valiosa assessoria editorial de Sylvia Junghähnel, uma paratyense de coração, de origem germânica, pedagoga, consultora e guia de Turismo, especializada em Atrativos Naturais e Observadora de Aves, que organizou ambos os trabalhos, inclusive
escrevendo a apresentação do primeiro.
Maria Thereza desenhou as capas dos seus livros com lápis de cor. (Divulgação) |
Assim como prometi à Maria Thereza escrever e publicar uma crítica aos livros dela, ouso, aqui, rabiscar e divulgar, dizer algo sobre o documentário Dias de Infância, Memória da Fazenda do Fundão. Tenho notícias das dezenas de outros filmes que Tati Beck roteirizou e dirigiu em vários países. Mesmo sem conhecê-los, e imagino que sejam excelentes, assevero, sem risco, pelo que vi neste filme que Tati Beck é uma artista inteira, brilhante, criadora de uma obra-prima no gênero “documentário”. Trata-se de um filme para ser visto, sentido e aplaudido, para ser alimento, poesia, arte, sonho e reflexão, denúncia sempre, pronto para arrematar muitos prêmios em festivais no mundo.
Acesse:
e assista a essa maravilha da Cultura Brasileira.
(*) Jornalista e Consultor
Cultural