
José Augusto da Câmara Torres, em 1962, aos 44 anos,
no exercício do segundo dos quatro mandatos de Deputado
Estadual à Assembleia Legislativa
do Estado do Rio de Janeiro.
(Acervo Marcelo Câmara)
José Augusto da
Câmara Torres (1917-1998), jornalista, educador, advogado e político, foi, no
Século XX, o mais importante líder comunitário e político do Extremo Sul
Fluminense. Em quatro legislaturas consecutivas, e com votações crescentes, de 1954 a 1970, cumpriu
mandatos na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, representando,
prioritariamente, o povo de Angra dos Reis, Paraty, Rio Claro e Mangaratiba.
Ocupou, ainda, as Secretarias de Estado do Interior e Justiça e de Serviços
Sociais, e foi membro do Conselho Estadual de Educação. Era considerado um dos
maiores especialistas e executivos em Educação e um dos mais brilhantes
advogados do País, destacadamente nas áreas do Direito Civil. Na sua carreira
política, sempre recebeu votos em todos os municípios fluminenses, inclusive a
capital Niterói, porém a sua base era os municípios de Angra dos Reis, Paraty,
Rio Claro e Mangaratiba, onde Câmara Torres militou politicamente por mais de sessenta
anos, recebendo, nas eleições das quais participou votações maciças, que
chegaram a ultrapassar os 70 por cento dos votos válidos no Extremo Sul
Fluminense.
Em todo o Estado
do Rio de Janeiro, advogou por quase seis décadas, principalmente no Sul do
Estado e nas cidades de Niterói e Rio de Janeiro. Técnico de Educação
concursado, com defesa de tese, oral e escrita, chefiou a Primeira Região
Escolar, no Extremo Sul do Estado, sendo o responsável pela criação,
construção, instalação e ampliação de toda a rede de Educação Pública daqueles
municípios. De 1942 até a sua morte em 1998, ele foi o protagonista das grandes
conquistas socioculturais e econômicas da Região. Era aposentado como Consultor
Técnico Estadual de Educação e como advogado, viúvo da professora Gertrudes
Nóbrega da Câmara Torres - a Dona Tudinha
- mestra de gerações de angrenses, falecida em 1989. Sua casa, primeiro em
Angra, depois em Niterói, sempre foi chamada de "a embaixada da Região",
aberta a todos, cidadãs e cidadãos de todas as classes sociais e cores
políticas, fossem seus eleitores ou não, clientes ou não, amigos ou
desconhecidos.
Fiel e
dedicadíssimo às comunidades que representava, Câmara Torres entregou ao Estado
do Rio de Janeiro e, principalmente, àqueles municípios, com elevada dignidade
e correção, mais quase sessenta anos de vida pública. O seu generoso coração
sempre esteve ocupado por esses municípios que ele chamava de “pátrias íntimas”.
Do início dos anos 1940 até a sua morte, não houve iniciativa ou conquista para
o povo da Região que não contasse com a sua liderança, participação decisiva.
Por isto, o Estado do Rio de Janeiro muito lhe deve como educador e político de
muitas lutas, nobres causas e grandes realizações. No Extremo Sul Fluminense, de
1942 a 1955, triplicou o número de escolas e de matrículas no Ensino Fundamental.
Implantou a Merenda Escolar na Região e participou e influiu, decisivamente, na
implantação dos cursos de segundo grau, extracurriculares e profissionalizantes.
Levou a Educação aos pontos mais distantes de todo o Extremo Sul Fluminense.
Depois, como Deputado Estadual, legislou intensa e continuadamente na
Assembleia Legislativa nas áreas da Educação, Cultura, Saneamento, Saúde,
Transportes, Segurança Pública, Comunicações, Turismo e Meio Ambiente. Pugnou,
com altivez, pelo Ensino Público de qualidade e pela valorização dos
professores. Até a sua morte, era reconhecido como "o deputado das professoras", "o político da Educação
Pública", um batalhador pela Educação Pública de qualidade, universal
e gratuita, e por condições dignas de trabalho para os profissionais do setor.
Por sua obstinada e desvelada dedicação ao povo dos municípios que representava,
a Imprensa, algumas vezes, o criticava pejorativamente como sendo “o faz-tudo
do povo da Região”.
EDUCAÇÃO E CULTURA
Nascido em
Caicó, no Rio Grande do Norte, José Augusto da Câmara Torres, de família pobre
e de ilustres intelectuais, como o grande Luís da Câmara Cascudo e o Arcebispo
Dom Hélder Câmara e o Cardeal Dom Jaime de Barros Câmara (este filho de um
potiguar que migrou para Santa Catarina), o jovem chegou a Niterói com 15 anos,
já com experiências no Jornalismo, revelando-se precocemente um intelectual de
talento, orador, ensaísta, líder e ativista estudantil católico. Na juventude,
fundou e editou jornais e dirigiu instituições culturais em sua terra natal e
em Niterói. Foi aluno do Colégio Salesiano Santa Rosa e do Liceu Nilo Peçanha,
formando-se pela Faculdade de Direito de Niterói, Bacharel em Direito e
Ciências Sociais. Lecionou História do Brasil, História Universal, Língua Portuguesa,
Ciências, Literatura Portuguesa e Brasileira nos Colégios Salesiano, Nossa
Senhora das Mercês e no Ginásio Icaraí. Em 1944, efetivou-se como Técnico de
Educação, servidor público do Quadro Permanente do Estado do Rio de Janeiro, após
rigoroso concurso público de provas e títulos, quando apresentou tese, aprovada
e com defesa oral, sob o tema A Inspeção
Escolar na Escola Primária. Antes,
já em 1942, fora designado, para aquele cargo e para a chefia da 1ª Região
Escolar, no Extremo Sul Fluminense, com sede em Angra dos Reis, onde,
recém-casado, foi residir.
Em poucos anos,
revoluciona a Educação na Região, introduzindo uma moderna gerência de
administração escolar, novas técnicas de ensino e metodologias
didático-pedagógicas de vanguarda, que valorizavam o professor, as culturas
locais e integravam a comunidade à escola. Introduziu a merenda escolar em toda
a Região, que encontrou com pouco mais de trinta escolas, chegando, já em 1953,
a mais de uma centena de unidades. Triplicou o número de crianças matriculadas
na Região, de dois mil para seis mil estudantes. Promoveu, ainda, um intenso
movimento cívico e cultural, realizando exposições e semanas de estudos
pedagógicos, as famosas “excursões culturais” criadas por Rubens Falcão que
faziam o intercâmbio entre escolas e estudantes de vários municípios, entre
outros eventos que marcaram época. Nunca o Ensino Público atingiu níveis tão
altos de excelência e eficácia no Extremo Sul Fluminense.
José Augusto da
Câmara Torres foi, fundamentalmente, um homem da Educação e da Cultura. Mais
que isto, um homem da Educação e da Cultura Fluminense. Seu curriculum profissional nos apresenta um
trabalhador intelectual fértil, produtivo e brilhante: jornalista aos doze
anos, liderança estudantil e tribuno desde os quinze, professor aos dezoito, jornalista
profissional aos vinte e um, escritor de obra reconhecida aos vinte e dois anos,
Técnico de Educação aos vinte e três anos, advogado aos vinte e seis, deputado
estadual aos 37 anos. Câmara Torres não foi apenas um homem do Jornalismo, das
Letras, do Magistério, da Política, da Advocacia Fluminense. Câmara Torres foi um
notável agente que realizou, difundiu e desenvolveu a Educação e a Cultura na
terra fluminense. Seu espírito humanista, seu trabalho cívico, comunitário e
político em favor da Educação e da Cultura, estão em cada município que atuou:
em cada rua das cidades, em cada praia, nas matas, sítios e fazendas, e grotões
dos municípios, onde, semeou fé e esperança, plantou escolas, alfabetizou,
formou e ensinou cidadania a gerações de milhares de crianças e jovens. Cada
escola que construiu transformou-se em um centro de realização e promoção
cultural, onde a história, o patrimônio, as referências, o Homem local era
valorizado e promovido, em sintonia com a história da comunidade, do Estado e
da Nação.
No Estado do
Rio, Câmara Torres empreendeu inúmeras ações culturais, associando-se a
instituições e lideranças da terra para atuar como o estudioso, o professor, o
intelectual, o administrador, o político, que empreendeu, gerenciou e sustentou
inúmeros projetos culturais. Na sua condição de educador e político, idealizou
e apoiou muitos eventos, foi um ágil e produtivo animador cultural, um
realizador bem sucedido, catalisando interesses, sentimentos e aspirações da
gente fluminense, transformando sonhos em obras, em fatos culturais de
relevância. Câmara Torres foi um tenaz defensor, como educador, advogado e
político, do patrimônio cultural do Estado do Rio de Janeiro. Por mais de
cinquenta anos, ele foi o grande incentivador e apoiador das manifestações
populares e folclóricas no Extremo Sul Fluminense e em outros municípios, suas
festas e celebrações religiosas e profanas. Ergueu-se como o interlocutor,
antes de 1950, do seu primo, mestre e amigo, o genial Luís da Câmara Cascudo,
promovendo o diálogo entre os Governo do Estado e da União, visando aos
primeiros apoios e estímulos à pesquisa e aos estudos do Folclore fluminense,
que resultaram na criação da Comissão Fluminense do Folclore. Na década de
1960, Câmara Torres levou a Paraty o seu amigo e grande folclorista Edson
Carneiro, liderando um grupo de pesquisadores de prestígio nacional, para
conhecer in loco o Folclore
Paratyense, depois registrado em artigos e ensaios editados em livros e revistas
especializadas. Em 1960, afirmou-se como o grande apoiador das comemorações dos
Trezentos Anos de Paraty, que comemorou a Revolução Popular liderada por
Domingos Gonçalves de Abreu que promoveu a autonomia de Paraty em relação à
Angra dos Reis. Em 1967, novamente, Câmara Torres foi um dos principais
realizadores dos festejos do Tricentenário da Vila de Nossa Senhora dos Remédios
de Paraty. Por iniciativa e com a assessoria histórica de Câmara Torres,
nasceram os brasões de Angra dos Reis, Paraty, Rio Claro, Mangaratiba e Piraí, criações
do seu amigo e famoso heraldista Alberto Lima. Todas as instituições
socioculturais e esportivas do Estado sempre tiveram nele um amigo valioso, um
apoiador incansável.
O seu notável
trabalho como Técnico de Educação e advogado no Extremo Sul Fluminense, seu
fecundo e eficaz munus político de
deputado estadual e dirigente partidário, fizeram de Câmara Torres o orador dos
grandes eventos, das inesquecíveis efemérides. Foi um dos grandes
incentivadores dos estudos sobre a História e a Cultura Fluminense, inclusive
produzindo ensaios importantes, sobre nós mesmos, sobre o nosso lugar, o nosso
papel na vida nacional, os fatos e processos acontecidos na terra de Euclides
da Cunha. A inauguração de cada uma das dezenas de escolas que construiu no Sul
Fluminense traduzia-se numa festa cultural, popular, democrática, onde Câmara
Torres ministrava uma aula sobre o patrono de cada unidade, convocava o povo
para a sua História, para o exercício da cidadania social e política, práticas
tecidas na pesquisa, na reflexão e na ação, a partir de cada município, a
partir da sua gente e da sua História. No seu tempo, cada escola era um centro
comunitário de atividades culturais, a célula de uma biblioteca e espaço para
as atividades artísticas e profissionalizantes. Câmara Torres criou a rotina de
trazer personalidades da Cultura Brasileira para falar ao povo, aos estudantes,
aos professores de cada município do Extremo Sul Fluminense. Os seus objetivos
eram estimular o conhecimento e a autoestima dos munícipes, proporcionar a
consciência e a responsabilidade sociocultural e política de cada um e de
todos.
A partir de
1942, os temas “Angra dos Reis, “Paraty”, “Rio Claro”, “Mangaratiba”, e antes mesmo
“Niterói”, vão ocupar, prioritária e majoritariamente, a agenda de Câmara
Torres, vão habitar toda a sua obra divulgada e publicada, no Jornalismo e na
Ensaística, nos campos da Educação, do Direito, da Política, da História, da
Sociologia, do Folclore. Isto porque, naquele ano, ele visita a Região pela
primeira vez, se apaixona pela terra, e publica em sua coluna Hora Fluminense, na primeira página de O Estado, de Niterói, o mais importante
jornal à época, densos e informativos artigos, tratando da problemática socioeconômica
dos municípios, das suas belezas e potencialidades, ante vendo-lhes um destino
promissor nos campos socioeconômico, cultural e turístico. É de sua autoria o
primeiro e mais importante perfil biográfico de Samuel Costa, a belíssima e
memorável oração que pronunciou quando da inauguração do Grupo Escolar que
recebeu o nome do advogado e político, a 18 de novembro de 1948, ele, na
condição de Técnico de Educação e Chefe da Inspetoria Regional de Ensino, no
66º ano de nascimento do ilustre paratyense. Publicou na revista literária Bando, de Natal, Rio Grande do Norte, a
única e histórica crônica que narra a morte, em 1944, em Angra dos Reis, do
grande Alberto Maranhão, estadista da Primeira República, que após a Revolução
de 1930, vive em Paraty, como fazendeiro e proprietário de jornal, por longos
anos. Em 1951, proferiu no Grupo Escolar Samuel Costa, conferência sobre a vida
e obra de Sylvio Romero e sua identidade com Paraty, recebendo, à época, do
Doutor Nelson Romero, filho do ilustre humanista, em nome da família, carta de
regozijo e agradecimento. Reuniu e editou, pela primeira vez, em 1973, os
poemas de Samuel Costa, escrevendo a introdução à antologia. Também prefaciou
as obras Paraty – Caminho do Ouro, de
Heitor Gurgel e Edelweiss Amaral, e Silvio
Romero, Juiz, de
José Alberto da Silva, livro que narra a vida do grande
sergipano como "Juiz Municipal do Termo de Paraty", de 1877 a 1879.
Jornalista,
professor, advogado e político, em toda a sua vida acadêmica e profissional, em
mais de setenta anos de ininterrupta atividade intelectual, publicou livros e
centenas de ensaios, estudos, artigos, reportagens e críticas nas áreas da
Literatura, da História, da Educação, Política, Sociologia e do Direito, além
de trabalhos nos campos do Folclore. Até a sua morte, participou, ativamente,
de diversas instituições e movimentos culturais que agitaram o Sul Fluminense e
todo o Estado do Rio de Janeiro, simultaneamente fundando entidades e dirigindo
campanhas comunitárias.
DOAÇÃO E SERVIÇO
Afora o seu ingente trabalho, por quase sessenta anos,
como líder e arauto das grandes causas da Gente Fluminense, não há cidadão ou
família do Extremo Sul Fluminense que não reconheça e não deva a Câmara Torres,
uma atitude, um empenho, um gesto, pelo menos uma palavra de compreensão e
apoio, em defesa de um direito ou conquista pessoal, afora todas as suas
realizações coletivas, em benefício das comunidades. Na Região, os órgãos e os
serviços públicos devem muito à ação contínua e persistente de Câmara Torres,
tanto na Assembleia Legislativa, como junto a órgãos estaduais, federais e
internacionais. Durante o tempo em que foi Deputado, viabilizou os governos dos
prefeitos daqueles municípios, à época sociedades e prefeituras pobres, sem
recursos, prestando-lhes toda a assistência e apoio, para bem e produtivamente
desempenharem os seus mandatos.
No final da década de 1960, o Projeto Turis, da EMBRATUR, que tratava da ocupação racional e
ecológica do litoral do Rio a Santos, teve em Câmara Torres um defensor
entusiasta, audacioso e perseverante. O
Plano de Desenvolvimento Integrado e Proteção do Bairro Histórico do Município
de Paraty, patrocinado pela União Federal, cuja conveniência foi tratada na
UNESCO, órgão da ONU, nasceu das ideias e das ações de Câmara Torres em vários
fóruns regionais e nacionais nos anos cinquenta e sessenta, resultado do seu
trabalho contínuo pela integração do Município ao Estado do Rio e pelo
desenvolvimento autossustentável de suas comunidades. Ambos os instrumentos
tiveram o apoio político indispensável de Câmara Torres na Assembleia
Legislativa e junto aos governos estadual e federal, e que introduziram Paraty
no Século XXI.
Lutou,
politicamente, sem pausa, por mais de três décadas, inicialmente pela abertura,
depois pela conservação, tráfego regular e pavimentação da estrada
Paraty-Cunha. Lutou, incansavelmente, nos níveis estadual e federal,
mobilizando até organismos e recursos internacionais, para a pavimentação da
estrada, chegando mesmo a obter compromissos formais de governadores, ministros
de Estado e a celebração de contratos entre o Governo do Estado e construtoras,
os quais sucessivos governos federais não permitiram que fossem cumpridos. Hoje,
a Estrada Parque Comendador Antônio Conti, pavimentada, é uma realidade, uma
conquista de Câmara Torres, do Povo Paratyense, através dele e de seus líderes
comunitários e políticos. Foi o grande responsável pela abertura da Estrada
Angra dos Reis-Paraty (Rodovia Roberto Silveira) e, depois, pela Rodovia
Rio-Santos, com outro traçado, é verdade, mais inteligente e preservacionista.
Dedicou-se,
também, durante toda a sua vida pública, pela manutenção do Serviço de
Navegação Sul Fluminense, que oferecia transportes às comunidades da Baía da
Ilha Grande. Criticou, durante anos, o funcionamento do presídio na Ilha
Grande, que segundo ele, "contrariava
as vocações ecológicas e preservacionistas daquele patrimônio, expondo-o a toda
sorte de perigos e agressões".
Como
parlamentar, atuou e legislou destacadamente na área social, em favor da Região
que representava, especialmente na Educação, Cultura, Saúde, Saneamento,
Transportes, Segurança Pública, Turismo e Meio Ambiente. Planejou e viabilizou,
como Secretário do Interior e Justiça, a construção do Fórum Silvio Romero, em Paraty, e João Fausto Magalhães, em Angra dos Reis, cujos nomes foram dados
por ele. Criou e instalou as Subseções da Ordem dos Advogados de Angra dos Reis
e de Paraty Construiu, com recursos próprios, no início da década de 1950, o
Aeroporto de Angra dos Reis, Fundou e foi o primeiro presidente do Aero Clube
de Angra dos Reis. Empenhou-se pela manutenção e melhoria do campo de aviação
de Paraty, pois foi um pioneiro do transporte aéreo no Extremo Sul do Estado. Idealizou
e coordenou, em 1970, a Operação Trindade, primeira ação multidisciplinar do
Estado no sentido da integração e desenvolvimento socioeconômico sustentado da
comunidade da Praia da Trindade. Foi o autor da lei que remunerava e dava
tratamento especial aos profissionais da Educação designados para trabalhar nas
escolas oceânicas, de difícil acesso de Paraty. Irmão e Procurador das
Irmandades das Santas Casas de Misericórdia de Angra dos Reis e de Paraty, era,
também, membro das Associações de Caridade, que mantém os Asilos de assistência
às velhices desamparadas de Angra dos Reis e de Paraty.
Cristão e
solidário, generoso em todos os seus atos, Câmara Torres, na Política, teve
adversários, jamais inimigos. Na Advocacia, contendores que o admiraram, nunca
debatedores odientos. Morreu pobre, sem bens a inventariar, sendo visto por
correligionários e adversários políticos, como "uma legenda moral de honestidade e trabalho, de doação às causas
populares, que fazia dele um homem público por excelência, honrado, leal,
destemido e produtivo, com inestimáveis serviços prestados ao Estado do Rio de
Janeiro". Os cientistas políticos poderão ver Câmara Torres como "um Homem Público com uma inexcedível
capacidade de doação, um Político com uma dimensão humana e social
insuperável". Deixou oito filhos, quatorze netos e uma legião de
amigos e admiradores no Estado e no País. Entre os seus filhos está o
jornalista, escritor, editor, consultor cultural e Consultor Legislativo do
Senado Federal, aposentado, Marcelo Câmara, que sempre desenvolveu intensa e
múltipla atividade intelectual, herdando, ainda em vida do pai, a rica
biblioteca de Câmara Torres, com importantes e raras obras jurídicas, de
História, Educação, Literatura, Ciências Políticas e Sociais, e o seu
monumental arquivo profissional e pessoal, onde está registrada toda a sua vida
como jornalista, educador, advogado e político, inclusive a sua correspondência
com líderes e famílias da Região Sul do Estado, e com personalidades da vida
fluminense e nacional, estas desde os anos vinte até a sua morte.
LIDERANÇA POLÍTICA
Em meados da
década de 40, Câmara Torres já era uma vigorosa e irreversível liderança
regional. Com a redemocratização do País, em 1945, ingressa no Partido Social
Democrático - PSD, e, cinco anos depois, é um dos fundadores e dirigente do
Partido Social Progressista - PSP, elegendo-se, por essa legenda deputado
estadual em 1954 e, por mais três vezes consecutivas. Funda os diretórios
municipais do PSP em Paraty, Angra dos Reis, Rio Claro e Mangaratiba e é eleito
Secretário-Geral do partido no Estado do Rio. Em 1958, foi um dos principais
articuladores da coligação PSP-PTB-UDN, que levou o amigo e companheiro de
lutas estudantis e políticas, Roberto Silveira, ao Governo do Estado. Em 1959,
exerce as funções de Primeiro Secretário da Assembleia Legislativa. No Governo
de Geremias de Matos Fontes, ocupa, por alguns meses, a Secretaria de Estado do
Interior e da Justiça, onde realiza profícua administração, erguendo fóruns em
vários municípios, assistindo e modernizando as prefeituras municipais e
revolucionando o sistema penitenciário, com a implantação de projetos pioneiros
da Educação formal e profissional nos presídios. Em sua gestão, obteve, pela
primeira vez, em mais de sessenta anos de tentativas frustradas de tantos
governos, a devolução, por parte do então Estado da Guanabara, das áreas,
prédios e benfeitorias, onde funcionavam o Presídio do Abraão e a Colônia Penal
Dois Rios, na Ilha Grande, concretizando-se anos depois a transação, por conta
da sua saída da Secretaria, e de sua volta à Assembleia Legislativa.
Mesmo
ingressando na Aliança Renovadora Nacional – ARENA, após o golpe de 1964,
lutou, durante o regime militar, contra a instalação da usina nuclear na Praia
da Itaorna, em Angra, e esteve detido no Colégio Naval, sendo libertado após
dez dias de detenção, sem qualquer acusação formal, com um pedido de desculpas
do então comandante da unidade. Antes, fora acusado em Inquérito Policial
Militar, por ter intervindo em favor da liberdade e integridade de líderes
políticos e comunitários de Paraty, uns presos, outros perseguidos pela
Ditadura, a maioria deles, seus circunstanciais adversários políticos,
correligionários em tempos anteriores. Em 1970, foi o único deputado estadual
da ARENA a concorrer a uma vaga na Câmara Federal, não logrando êxito, apesar
de expressiva votação, o que o colocou numa primeira suplência por quatro anos,
levando-o a um longo jejum eleitoral. Em 1971 assumiu a Secretaria de Estado de
Serviços Sociais, iniciando um trabalho em várias frentes, de grande
repercussão, com projetos de vanguarda dirigidos aos marginalizados, crianças e
idosos, aos portadores de deficiência física e mental, apoiados por governos e
instituições estrangeiras e internacionais. Isto provocou inveja e intriga em
setores do poder, sendo demitido por exigência da chamada “linha dura” do
regime que infelicitava o País, por ordem expressa do general Walter Pires. Em
1986, após dezesseis anos afastado de disputas eleitorais, amigos de Angra e de
Paraty lançam o seu nome à Assembleia Legislativa pelo Partido Democrático
Social – PDS. Obtêm 5 mil votos, uma expressiva votação à época, é o candidato
à Assembleia Legislativa mais votado em Paraty. Entretanto, não se elege,
abandonando definitivamente a Política. Com sabedoria e prudência, presidiu o
PSP, a ARENA e o PDS, de Angra dos Reis.
Visionário,
homem de vanguardas, espírito empreendedor, de convergências e de conciliação,
sempre liderou ou, pelo menos, influiu, decisivamente, direta ou indiretamente,
no progresso de toda a Região. Mesmo nas iniciativas privadas, onde o interesse
e os direitos do povo estiveram em jogo, como a instalação dos Estaleiros
Verolme, em Angra dos Reis, ou os grandes projetos turísticos na Costa Verde,
lá estava a presença dinâmica e articuladora de Câmara Torres resolvendo,
incentivando, apoiando, realizando, sempre zelando pelas comunidades, seus
valores, direitos e patrimônios.
O Extremo Sul
Fluminense lhe deve a edificação das matrizes do seu desenvolvimento
socioeconômico, político e cultural, além de conquistas na Educação e Cultura, Saúde,
nos Transportes, no Saneamento, Justiça e Segurança Pública, na Preservação Ambiental,
no Turismo e outras áreas de atuação do Poder Público. Entre os benefícios
regionais alcançados graças ao trabalho incansável de Câmara Torres, além
daquelas já apontadas, está a abertura e conservação da Estrada Rio
Claro-Mangaratiba. Sócio Remido e Vice-Presidente do Aeroclube do Estado do Rio
de Janeiro, realizou os primeiros voos de Angra dos Reis e Paraty com destino a
Niterói e ao Rio de Janeiro, para acudir a população que precisava de
atendimento médico de urgência, favorecendo, também, a ida constante de
servidores e autoridades públicas ao Município.
JORNALISTA E ESCRITOR
Aos doze anos de
idade, José Augusto da Câmara Torres já era um jornalista, quando fundou e
dirigiu o veículo estudantil O Ideal da
Juventude, em sua terra natal. Mais tarde, também fundou e dirigiu, em
Niterói, os jornais Espumas e A Ordem. Antes, no Colégio Marista, em
Natal, colaborou no Sete de Setembro.
Jovem, militou politicamente ao lado de Alceu de Amoroso Lima, o Tristão de
Athayde, Dayl de Almeida, José Arthur Rios, os irmãos Badger e Roberto
Silveira, Celso Peçanha, Anselmo Macieira, Vasconcelos Torres, entre outros,
nas lutas estudantis, universitárias e políticas. Em Niterói, pertenceu ao
Centro de Cultura José de Anchieta, do Colégio Salesiano Santa Rosa, ao Grêmio
Lítero-Esportivo Olavo Bilac, do Instituto de Educação de Niterói, e foi um dos
fundadores da Congregação Mariana, presidindo a Academia São Francisco de
Sales, braço cultural da Congregação. No Rio e em Niterói, escreveu em jornais
e revistas, entre eles, Folha Colegial,
O Estado, Correio da Manhã, Revista
Potiguar (RN), Ariel, Taba, O Gládio, Aríete, Almanaque Ilustrado das Famílias Católicas Brasileiras.
Fez crítica literária, de cinema e teatro. Foi correspondente no Rio e
articulista da revista Nordeste, de
Natal, RN, colaborando, também, em A
República, da capital potiguar. Assinou, na década de 40, a coluna Hora Fluminense, espaço nobre na
primeira página do diário O Estado,
então o maior jornal da Velha Província e redator do antigo Serviço de
Propaganda e Turismo do Governo do Estado do Rio de Janeiro. Em Angra dos Reis,
publicou no jornal O Sul Fluminense,
e assinou, por quatro anos, a coluna Aspectos
na Folha de Angra, onde também foi
secretário de redação. Foi membro da Associação Fluminense de Jornalistas e da
Associação de Imprensa Periódica Paulista. Em 1939 e em 1944, respectivamente,
circulam, com tiragens restritas, nos meios acadêmicos e técnicos da Educação,
as duas monografias, teses de sua autoria: Educação
Moral e Cívica e A Inspeção Escolar
na Escola Primária.
Aos 22 anos
publicou, com Dayl de Almeida, Imortais,
livro de ensaios, com prefácio de Alcebíades Delamare. Publicou, ainda,
diversos trabalhos de História, Ciência Política, Educação, Sociologia, Folclore
e Crítica Literária. Entre esses, destacam-se os estudos pioneiros sobre o
paratyense Samuel Costa (1948), Sylvio Romero (1949) e sobre o angrense Lopes
Trovão (1947 e 1953). Em 1943, a Biblioteca Municipal Professor Guilherme
Briggs, de Angra dos Reis, publica Os
olhos verdes na literatura, ensaio e conferência que profere naquele
município. Foi um dos fundadores do Instituto Histórico e Artístico de Paraty.
Era Membro efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte e
Sócio Correspondente do Ateneu Angrense de Letras e Artes. Integrava as Academias
Fluminense e Valenciana de Letras, a Associação Brasileira de Escritores, entre
outras entidades culturais, fluminenses e nacionais. Possuía os títulos de Cidadão Fluminense, do antigo Estado do
Rio de Janeiro, de Cidadão Honorário do
Estado do Rio de Janeiro, do atual Estado do Rio de Janeiro, e de Cidadão
Honorário de Angra dos Reis, Paraty, Rio Claro, Mangaratiba e Duas Barras. Foi
agraciado com a Medalha do Centenário de
Silvio Romero (1939), pelos seus trabalhos sobre o escritor, com a Medalha do Cinquentenário da República,
e com a Medalha Tiradentes, da
Assembleia Legislativa do atual Estado do Rio de Janeiro, entre dezenas de
outras insígnias. Em Angra dos Reis, foi eleito pelos seus colegas de profissão
"O Advogado do Ano" por
mais de uma vez. Pertenceu a diversas entidades religiosas do Estado, sendo,
também, Benemérito de dezenas de instituições socioculturais, filantrópicas e
desportivas. Recebeu dezenas de láureas de instituições públicas e privadas do
Estado.
Câmara
Torres morreu pobre, sem bens a inventariar. Deixou, além de um notável legado de
ética, probidade e coerência política, de nobres causas e lutas, de fidelidade
aos seus representados, um importante patrimônio de leis e realizações,
especialmente, na Educação, Cultura, e nos setores sociais e econômicos. Foi,
enfim, um importante e luminoso personagem da Educação, da Cultura, da História
Política Fluminense nos últimos sessenta anos do século XX.
Em 2000, o Teatro Municipal de Angra
dos Reis, RJ, o mais importante centro cultural da cidade, recebeu o nome de
TEATRO MUNICIPAL CÂMARA TORRES, por força de Lei Municipal.
Em 2004, a Casa de Cultura de
Paraty passou a denominar-se CASA DE CULTURA CÂMARA TORRES, em decorrência da
Lei Municipal 1414, de 2004, resultado de Projeto do então Vereador e Presidente
da Câmara, Casé Miranda.
Em 2011, o município de Rio Claro,
RJ, homenageou-o inaugurando, em Passa Três, a sua mais moderna e bem equipada
escola, o CENTRO DE ENSINO MUNICIPAL DEPUTADO CÂMARA TORRES, construído com recursos
da União (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da
Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação – FUNDEB).
O Aeroporto de Angra dos Reis, RJ, construído
no início dos anos 1950 por Câmara
Torres, com recursos próprios, passará a se chamar, em breve, AEROPORTO CÂMARA
TORRES.
Os municípios de Mangaratiba e
Niterói, igualmente, preparam homenagens à sua memória.
MC
____________________ CENTENÁRIO DE CÂMARA TORRES
José Augusto da Câmara Torres
(* Caicó, RN, 1917 – † Niterói, RJ, 2017)
Jornalista, Educador, Advogado, Político
Câmara Torres aos 44 anos, em 1951: Jornalista, Professor, Técnico de Educação, Advogado.
A Política era apenas um universo futuro.
A Política era apenas um universo futuro.
POR QUE CELEBRAR
O CENTENÁRIO DE CÂMARA TORRES
“Há homens que lutam por um dia, e
esses são bons;
há homens que lutam por um ano, e
esses são melhores;
há aqueles que lutam por muitos anos,
e esses são muito bons;
Porém há os que lutam por toda a
vida: estes são os imprescindíveis.”
Bertold Brecht
O centenário de uma personalidade,
importante para a História, para a Vida Social e a Cidadania Política de uma
Comunidade, de um Estado, de um País, constitui uma Efeméride. Uma data digna
de celebrações, registros, reflexões, participações, colaborações, sobre o
lugar e a contribuição deste Homem para o seu Tempo. Celebrar a sua vida e a
sua obra significa atualizar os valores positivos e enriquecedores do Bem e da
Justiça, da Fraternidade e da Solidariedade, nos quais ele cria, praticava e
difundia. Assim, estaremos renovando, fazendo contemporâneos, recriando e,
especialmente, cultuando um patrimônio de dons e dotes que ele semeou, com fé e
amor, e que frutificaram entre os seus contemporâneos, entre os que tiveram a
ventura de conviver com a sua notável e doce pessoa, sua reta e afirmativa
conduta, seus notáveis feitos, seu integérrimo e inquebrantável caráter. E,
mais ainda, apreendendo esse patrimônio de ideias, de pensamento, de atitudes
dignas, edificantes, enriquecedoras, que honram e enobrecem as searas públicas
que militou: o Jornalismo, o Magistério, a Advocacia, a Política. Em todas se
comportou como um estudante e praticante da Ciência e um apóstolo da Vida e do
Bem, da Felicidade Humana e Social.
José Augusto da Câmara Torres, o “Câmara Torres”, o “Doutor Câmara”,
o “Doutor José”, o “Câmara”; ou o “Zé Augusto” como o tratava sua namorada, mulher, mãe dos seus
filhos, conselheira, secretária, companheira da vida inteira, a Professora
Gertrudes Nóbrega da Câmara Torres, a Dona Tudinha, e, também, os seus amigos de infância e juventude – foi um
desses homens especiais, raros, um ser elevado e simples, erudito e popular,
culto e humilde, “um coração com pernas”,
como definiu um lavrador de Rio Claro; ou “o
amigo certo das horas incertas”, como o qualificou um paratyense; ou “uma alma irmã, limpa e boa”, como
repetia sempre um famoso pescador da Ilha Grande, de Angra dos Reis. Para os
que o conheceram e com ele conviveram, um verdadeiro, precioso e produtivo
Homem Público que fez dos seus ofícios profissionais de Jornalista, Educador,
Advogado e Político, criações e atos de vida, de bom convívio, de construção,
de trabalho, sempre preocupado com a felicidade, o bem-estar do outro, do
próximo, seja ele seu eleitor, admirador, desconhecido, correligionário,
leitor, cliente, amigo, adversário ou concorrente, em qualquer campo de
atividade. E, acima deste ou daquele, perseguia, sempre, a harmonia da
coletividade, da comunidade a que servia. Câmara Torres foi um Político, na
mais alta acepção civilizatória, que levou ao extremo a ciência, a técnica, a
arte, a sua capacidade de compreender e realizar, de servir, de jamais ser
servido ou privilegiado ou recompensado pelo que não merecia; que radicalizou,
com sabedoria, carisma e liderança, a sua virtude de doação, retidão e
fidelidade aos seus representados, na busca do crescimento humano,
socioeconômico e cultural das comunidades, onde vivia e à qual estava
integrado.
Eu acredito que todo filho
deveria fazer o que estou fazendo, seja quem foi, ou foi, o seu pai. Não
importa se seu pai tenha sido Presidente da República, um operário, um
diplomata, um modesto servidor público, um grande empresário, um biscateiro, um
vaqueiro, um bancário, um comerciante, um artista, um pedreiro, um professor,
um amolador de facas. Considero importante tal registro para a honra, a
autoestima, a História da Família, da cidade, da comunidade, do País. Mesmo que
o assento não passe de uma página de caderno escolar.
Para mim, Marcelo, seu filho, o
quarto de sua descendência e o varão mais velho, ele foi um Homem, um
progenitor, um educador, além da paternidade e da consangüinidade, muito mais
que o maior da galeria dos homens comuns e dos Homens Públicos que conheci.
Esteve acima de todas as suas admiráveis virtudes e naturais pecados. Certa
vez, escrevi e proclamei: “Meu pai foi meu primeiro mestre, essencial,
precípuo, permanente, vital. Durante toda a sua existência. Exemplo de vida,
exemplo de homem. Imperfeito, falível. Princípio, valor, sêmen, luzeiro.
Referência para viver, para ser homem. Divergimos, muitas vezes, nas
circunstâncias, ao nível conjuntural, opiniático, secundário, periférico,
metodológico. Convergíamos nos valores, nos princípios, nos fundamentos, nas
razões e causas últimas das cousas. Éramos semelhantes e diferentes. Eu era seu
filho. Eu sou seu filho”.
Marcelo Câmara
(Marcelo Nóbrega da Câmara Torres)
Jornalista, historiador, escritor,
editor e consultor cultural.
CÂMARA TORRES,
UMA VIDA INTEIRA DE
IDEIAS E OBRAS:
ESTUDO, TRABALHO,
DOAÇÃO, SERVIÇO.
CÂMARA
TORRES: UM HOMEM PÚBLICO.*
Marcelo Câmara
Jornalista, escritor, editor e consultor cultural.
(...................................................)
O dístico “Instituto Histórico e Geográfico
do Rio Grande do Norte” me soa aos ouvidos desde a infância. Primeiro, no lar
dos meus avós paternos, José Antunes Torres, nascido em Touros, e Maria da
Câmara Torres, de Santana do Matos, ouvia sempre, não a entidade, mas os nomes
dos vultos, em outros contextos sociais, que iluminaram esta Casa: Pedro Velho,
Alberto Maranhão, Juvenal Lamartine, Ferreira Chaves, Vicente de Lemos, João
Avelino, Francisco Carlos Pinheiro da Câmara, Tavares de Lyra. Depois, na casa
de meus pais, os caicoenses José Augusto da Câmara Torres e Gertrudes Nóbrega
da Câmara Torres, alguns desses nomes se repetiam e outros estreavam na minha
memória: José Augusto Bezerra de Medeiros, Nestor Lima – “O Presidente
Perpétuo”, Aluízio Alves, primo distante de meu pai, Eloy de Souza, Manoel
Rodrigues de Melo, Nilo Pereira, Veríssimo de Mello.
Luís
da Câmara Cascudo, o gênio feito homem, era o mestre quase cotidiano, a leitura
recorrente, o mais ilustre da nossa família, que meu pai conheceu na infância,
com quem esteve durante toda a vida, com quem dialogava e a quem venerava desde
menino.
Minha mãe foi sua aluna na Escola Normal de
Natal. Contava que quando o Professor Cascudinho falava ao ar livre, se a chuva
caísse, ninguém arredava pé. Com Câmara Cascudo, meu pai e eu nos
correspondíamos sem frequência, porém até os tempos que antecederam a partida
do maior dos potiguares. Não tive a graça de estar com ele pessoalmente. Assinava
cartas e cartões a meu pai assim: “seu fiel admirador”, “seu veterano
admirador”. Certa vez, depois de ler um trabalho meu de Folclore, escreveu a
meu pai: “... movimento, cor,
comunicação, simpatia. De tal roseira, tal flor”. A mim se dirigia desta
forma: “Marcelo Câmara, jovem confrade de
vanguarda” ou “jovem colega Marcelo
Câmara”. E arrematava: “afetuosamente,
seu admirador legítimo, Luís da Câmara Cascudo”.
Meus três mestres na maioridade biológica e
nos primeiros cometimentos como jornalista e escritor: Luís da Câmara Cascudo,
Mário Quintana e Nelson Rodrigues. Três humanistas inteiriços a me dizerem da Vida,
do Homem e do Mundo. Cascudo, o doutor em povo, o gênio que descobriu o Brasil;
Quintana, o poeta de todas as coisas; Nelson, o dramaturgo do cotidiano e da
paixão. Depois, vieram se somar ao trio, Gilberto Freyre, autor da primeira e
mais valiosa sociologia sobre o Brasil; Rubem Braga, o maior prosador da Língua
Portuguesa do Século XX; e Darcy Ribeiro, o antropólogo que amava o Brasil.
Cascudo, Quintana e Nelson: o conhecimento da alma e dos gestos humanos através
do próprio homem, sua pequenez e continência, seus desejos e seus vôos, seus
imponderáveis e erráticos caminhos. Aos três dediquei meu livro de estréia,
editado, pela primeira vez, em 1985: Crítica
à Cultura Brasileira – uma reflexão sobre
manifestações e universos culturais na sociedade brasileira. O que mais me fascina em Cascudo não é somente os
temas do homem e das gentes, suas raízes, motivos, formas e trajetos, que a
tudo ultrapassa e transcende.
Fantástica, espantosa mesmo, é a escritura
cascudiana: uma linguagem artística, literária, uma dicção muitas vezes
poética, outras com humor, fazendo ciência, que pensa, cogita e enuncia, gera
conhecimento, conhece o real. Isto parece paradoxal, quando se sabe que a
linguagem da ciência não prescinde da exatidão, da precisão, da concisão, da
objetividade, da clareza.
Cascudo faz ciência com estilo solar,
primoroso, raríssimo, sem se valer da linguagem fria e árida do texto técnico e
científico. Utilizando-se naturalmente da metáfora e de outros recursos da
linguagem literária, da prosa elevada, da linguagem poética, sugerindo e
provocando a dúvida, a reflexão e o sonho – Cascudo é correto, é preciso, é
claro, é exato, é real, é científico, é verdadeiro, dando auto-crivo
epistemológico a cada descrição, a cada análise, a cada crítica, a cada
assertiva.
Discurso simultaneamente denso e delicioso,
seminal e fascinante, que faz uma cabal inteligência, profunda, das atitudes e
fatos humanos, dos fenômenos e processos antropossociais, históricos,
políticos, econômicos. Poucos cientistas foram artistas como Cascudo, o texto
belo e perfeito, um texto de ciência que enuncia e emociona, expressa e
explica, significado e significante na unidade que diz e convence. Lembro-me de
poucos que podem se aproximar dele. Entre nós, talvez Gilberto Freyre, Anísio
Teixeira. Mais contemporâneos, um Darcy Ribeiro. Nos textos técnicos, o genial
arquiteto Lúcio Costa, um belo texto. No exterior, os escritos filosóficos de
Maritain e de Sartre.
(....................................................)
Num passeio de olhos pelos anais do Instituto,
além de Luís da Câmara Cascudo, vislumbro muitos varões da árvore dos Câmara,
todos descendentes do Tenente Manoel Raposo da Câmara, morgado português da
Ilha de São Miguel, dos Açores, que aqui chegou no início do Século XVIII e se
casou com uma natalense: o sócio-fundador Francisco Carlos Pinheiro da Câmara,
Anfilóquio Carlos Soares da Câmara, Adaucto Miranda Raposo da Câmara, meu tio-avô
Aprígio Soares da Câmara, meu pai, José Augusto da Câmara Torres. Das
greis dos Nóbrega e dos Torres, outros, certamente, tiveram aqui assento.
Meu tio-avô, Aprígio Câmara, natural de
Santana do Matos, onde hoje é nome de rua, foi sócio-correspondente do
Instituto. Lecionou no Rio Grande do Norte e na Paraíba. Foi diretor da Escola
Normal de Mossoró em 1925. Ainda jovem, migrou para São Paulo, onde também
ensinou e se bacharelou em Direito. Tornou-se um dos maiores advogados
brasileiros, com grande prestígio na elite paulistana. Foi amigo muito próximo
de Olegário Mariano e de outros intelectuais e artistas paulistas. Aprígio
Câmara e Câmara Cascudo foram grandes amigos, fraternais, próximos.
Corresponderam-se dos anos 1940 aos anos 1960. Guardo cartas nas quais Cascudo
o trata de “querido primo”. Em outras, leio os tratamentos: “Aprígio
magnificente”, ”Meu coração”, “Conde da Câmara, Grande Primo!”
e até um inusitado “Minha Flor”, que Cascudo explica a Aprígio: “Você
é a única flor masculina”. Aprígio viabilizou uma viagem de Cascudo Portugal
e África, dando-lhe o apoio de amigos que tinha nos dois continentes.
(.....................................................)
Ilustres
consócios, minhas senhoras, meus senhores, para saudar o aniversário desta
insigne Casa de Labor e de Beleza, ilustres
consócios, para saudar o aniversário do Instituto, venho, no meu ingresso como Sócio
Correspondente, evocar o nome e a memória de um homem público, que, por toda a
vida, encarnou o espírito que alimenta e conduz esta entidade, e pelo qual ela
se reconhece e se justifica: a liberdade de pensamento e de expressão, o livre
e universal acesso à Cultura, o serviço à comunidade. Venho, nesta noite
festiva, evocar a memória, a trajetória, o pensamento e a obra, de um
verdadeiro Homem Público: Câmara Torres,
jornalista, educador, advogado e político, Sócio Efetivo deste sodalício,
falecido em 1998. Meu pai. Meu pai que foi meu primeiro mestre, essencial,
precípuo, permanente, vital. Durante toda a vida. Exemplo de vida, exemplo de
homem. Imperfeito, falível. Princípio, valor, sêmen, luzeiro. Referência para
viver, para ser homem. Divergimos, muitas vezes, nas circunstâncias, ao nível
conjuntural, opiniático, secundário, periférico, metodológico. Convergíamos nos
valores, nos princípios, nos fundamentos, nas razões e causas últimas das
cousas. Éramos semelhantes e diferentes. Eu era seu filho. Eu sou seu filho.
Venho
vos falar de um Homem Público, o caicoense José Augusto da Câmara Torres. Mas
não cinjo o conceito de “homem público” àquele que, apenas e ocasionalmente,
ocupa cargo ou função no Estado. Seria reduzir a dimensão de um verdadeiro
Homem Público, no seu real significado sociológico e político. Falo do cidadão
que faz da sua vida, da sua existência, uma missão, um dever para o outro, um
trabalho para os outros, um contínuo construir para o povo, para a sociedade.
Ora como líder,
ideólogo e propagador de idéias, causas e condutas, ora como seu representante
e defensor, em quaisquer fóruns, com ou sem mandato formal. Um servidor das
gentes, um promotor, um arregimentador do Bem e da Paz, da Harmonia e da
Felicidade coletiva. Um Homem Público tem uma Vida Pública, vida operosa,
participativa, transparente, por todos repartida, acompanhada, fiscalizada,
julgada cotidianamente. Vida pública significa consciência, responsabilidade,
serviço, doação, construção.
Venho vos falar de José Augusto, um menino
pobre, nascido no Caicó a 22 de junho de 1917, o terceiro do casamento do
telegrafista José com a dona de casa Maria, chamada Liquinha. Em março de 1917, o casal muda de Angicos para o Seridó,
pois o pai, José Antunes Torres, recebera o encargo de instalar e inaugurar a
estação dos Correios e Telégrafos do Caicó. Magro, esquálido, mirradinho, José
Augusto era um milagre, sobrevivente de uma prole de nove filhos, dos quais somente
três vingariam. Os outros seis falecem recém-nascidos, dias após os partos de Dona
Liquinha. O nome “José Augusto” foi uma homenagem ao líder caicoense José
Augusto Bezerra de Medeiros, então Deputado Federal.
O Doutor Joaquim Ferreira Chaves, à época o
político de maior prestígio popular no Estado, um dos fundadores desta Casa, e
sua mulher Alexandrina, foram os padrinhos de José Augusto na cerimônia na
Matriz de Caicó, representado pelo Coronel Celso Dantas, homem que levou o cinema
falado para Caicó em 1936. Os mesmos padrinhos de Câmara Cascudo.
Como
aquele menino pequeno e frágil, num lar rude e pobre, com adversidades de toda
ordem, como veremos, um menino que vai para a escola somente aos nove anos de
idade, revela-se, precocemente, uma inteligência produtiva, um talento para as
letras, a oratória e o jornalismo, uma liderança política, um homem público
ainda na puberdade?
Por quais sendas, qual poderosa fé, que
ideais santos, que sagas transformam aquele sertanejozinho míope e sem
protetores na selva fluminense e carioca, oprimido por uma educação familiar
severíssima, numa das mais brilhantes personalidades da vida cultural e
política do Estado do Rio de Janeiro no Século XX?
Com nove anos de idade, José Augusto
ingressa no 1º ano elementar do Grupo Escolar Senador Guerra. Três anos depois,
estava no 1º ano do Curso Complementar na mesma escola. O interesse do menino
pela História e pela Política manifesta-se desde então. No dia 3 de maio de
1930, aos doze anos, José Augusto faz o seu primeiro discurso público. Na
escola, num texto crítico e ousado questiona, com dados e argumento, a data,
então celebrada como sendo a do Descobrimento do Brasil. Contesta-a e afirma o
22 de abril como a “data verdadeira” da chegada de Cabral. Na
oportunidade, também, faz uma convocação ecológica em defesa das árvores e das
nossas “riquezas naturais”. Comemorava-se o “Dia da Natureza”. Ali,
Ilustres Confreiras e Confrades, começa a vida pública de Câmara Torres. O
menino se lança à comunidade escolar como um representante, um arauto, um
símbolo dos seus colegas. A crítica, os anseios, a voz. E, ao longo de 1930, 31
e 32, surgem outras orações do garoto franzino, magérrimo, loquaz, elétrico,
que surpreendia a todos pela inteligência, iniciativa, dinamismo. José Augusto
tornara-se o orador oficial da escola em todas as cerimônias cívicas, sociais e
culturais. A oração do Dia da Bandeira, de formatura dos complementaristas, foi
feita na presença do Professor Nestor Lima, então Chefe da Instrução Pública. As
orações do menino eram críticas, arrojadas, políticas, convocando a todos para
a reflexão, a mobilização dos espíritos e das ações.
Dois
fatos, creio, ratificam e formalizam o início da vida pública de Câmara Torres,
ainda na infância. O primeiro fato: um ano após o primeiro discurso, José
Augusto, com treze anos, funda O Ideal da
Juventude, jornal mensal, literário e noticioso, “órgão dos interesses do
Grupo Escolar Senador Guerra”, dirigido ao povo de Caicó, que o menino passa a
dirigir e onde assina os editoriais, artigos de fundo e reportagens. O segundo
fato: no final de 1931 quando o Interventor Hercolino Cascardo visita Caicó, quem
irá saudá-lo, em nome da infância estudiosa e da mocidade das escolas do
município, será aquele menino jornalista, que escreve e discursa, um agitador
político, um animador cultural.
Nesse dia, José Augusto prova vinho pela
primeira vez. Entretanto, o emblemático da saudação a Cascardo é o fato de o
menino não ler um texto de sua autoria, mas do Doutor Renato Celso Dantas, um
importante advogado da cidade. Observem, prezados confreiras e confrades,
minhas senhoras, meus senhores, ele fora escolhido para ler a oração em nome de
todos, uma oração da comunidade que, ao contrário de outras, não fora escrita
por ele.
O
Ideal da Juventude, depois
do terceiro número, lança uma revista especial o 26 de Julho para celebrar, nessa data, o primeiro ano da morte de
João Pessoa. E, ainda na terceira edição assume a secretaria do jornal
Gertrudes Nóbrega, a Tudinha, de
tradicionalíssimo clã seridoense, moça que, dez anos depois, se casará com o
diretor José Augusto Torres. (O “Câmara”, da mãe, ele agregará, legalmente, ao nome na maioridade). O número 7 de O Ideal da Juventude, de 19 de novembro
de 1931, traz, na primeira página, um belo texto de Luís da Câmara Cascudo
sobre o Senador Guerra, Francisco de Brito Guerra, patrono do Grupo Escolar.
Cascudo escreve o trabalho a pedido de José Augusto e adverte: “Esta crônica é de propriedade do O Ideal da
Juventude, a quem ofereço os meus direitos autorais”. Começava aí uma
amizade de mais de sessenta anos. Dez números são editados de O Ideal da Juventude. O último circula
em 11 de fevereiro de 1932, com a notícia da ida de José Augusto para Natal,
onde, dizia a notícia, “vai continuar os
seus estudos”.
Em fevereiro de 1932, com quatorze anos,
José Augusto é matriculado como aluno interno no 1º ano ginasial do Colégio
Santo Antônio, dos Irmãos Maristas. Na sua turma, Eugênio de Araújo Sales, de
Acari, hoje Cardeal Emérito da Arquidiocese do Rio de Janeiro, que então
anunciava: “Eu vou ser padre, eu quero ser padre”; e o natalense Túlio
Tavares, músico, colega de Oriano de Almeida, e irmão do grande maestro e
compositor Mário Tavares. O destino fez com que eu e o Túlio, colega de classe
de meu pai, nos conhecêssemos em Brasília, nos anos de 1970, e fôssemos, juntos,
assessores do Ministro do Trabalho. O menino do interior chega a Natal, vê gelo
pela primeira vez e logo se destaca: é o orador na inauguração da praça de
esportes do colégio e, em setembro, ele está na primeira página do terceiro
número do O Sete de Setembro, jornal
anual do colégio, assinando o principal artigo. Fala, ainda, em nome dos
internos, antes da disputa de um jogo de futebol e nas comemorações da
Proclamação da República.
Na
véspera do Natal de 1932, a família embarca para o Rio de Janeiro. No dia 30 de
dezembro de 1932, às 8 horas da manhã, José Augusto pisa com o pé direito no
solo carioca, rompendo pelo Armazém 7 do Cais do Porto. Vai morar em Niterói.
Em março, ele está matriculado como aluno externo no segundo ano ginasial do
Colégio Salesiano Santa Rosa e, em junho, ainda com quinze anos, funda e passa
a dirigir o jornal Espumas, com a
colaboração de Dayl de Almeida, que dele irá se tornar o “irmão xifópago”.
Dayl, depois, será professor, sociólogo, deputado estadual e federal. O
jornal Espumas mudou o nome para A Ordem em 1937 e circulou até fevereiro
de 1938. Foi um jornal político, católico, nacionalista, que se engajou no
movimento Integralista, constituindo-se no primeiro e mais importante veículo
do gênero, e o de mais longa vida no Estado do Rio de Janeiro.
De 1933 a 1943, no Colégio Santa Rosa, no
Curso Preparatório de Direito no Liceu Nilo Peçanha e na Faculdade de Direito
de Niterói, Câmara Torres se destacou numa geração inteira de jovens
fluminenses, católicos e nacionalistas, que viriam a ser, depois, ilustres
personalidades da história política e cultural do Rio de Janeiro. Eram anos de
efervescência intelectual, idealismo e ideologização entre liberais, comunistas
e fascistas, movimentos religiosos, militância política. Câmara Torres funda e
preside por cinco mandatos a Academia São Francisco de Sales, braço cultural da
Congregação Mariana Nossa Senhora Auxiliadora, do Colégio Salesiano Santa Rosa,
a que pertence. Palestras, conferências, discursos, debates, em vários fóruns
literários, culturais, políticos, no Rio e em outros Estados. Ao seu lado, além
de Dayl, líderes católicos, intelectuais como Alceu de Amoroso Lima, o Tristão
de Athayde.
Em 1939, o acadêmico de Direito José Augusto
da Câmara Torres começa a lecionar Português, Literatura Brasileira e
Portuguesa, História do Brasil e História da Civilização em Niterói, José
Augusto está na Associação Potiguar, no Rio, ao lado de Edílson Cid Varela,
publicando na Revista Potiguar,
artigos sobre a sua terra. Publica também em Caicó. Mas, antes, em 1936 e 1937,
volta ao Rio Grande do Norte, a Natal, Baixa Verde, Touros e a Caicó, viagens
sentimentais, para abraçar parentes e amigos, e, claro, ver Tudinha Nóbrega, a menina do Grupo
Escolar, sua secretária do jornal O Ideal
da Juventude, moça que, pressentia, seria a escolhida do seu coração. É
agraciado com duas condecorações: a Medalha do Cinqüentenário da República e a
Medalha do Centenário de Sylvio Roméro, ambas em virtude de conferências que
profere e de comemorações que promove.
1940 é um ano de decisões para o
universitário José Augusto. Leciona, escreve em vários jornais e revistas. Em
junho, chega às livrarias de todo o País, Imortais,
o seu primeiro livro, com Dayl de Almeida, uma reunião de conferências dos dois
sobre temas da História, Literatura, Política e Religião. O leitor da editora
que autoriza a publicação é o grande José Cândido de Carvalho. A obra foi muito
bem recebida pela intelectualidade e pela crítica de então. Câmara Cascudo na
sua Acta diurna, de A República, escreve:
“José Augusto da Câmara Torres, que conheci
recém-saído dos cueiros, começou a escrever numa idade em que a curuja de
papel é a suprema tentação. Dirigiu
jornais no Caicó, tendo a metade do tamanho de qualquer tipógrafo. Nasceu com a
paixão do livro, a sedução espiritual do pensamento, em suas formas mais belas,
nobres e altas. (...) Há (nele) todos
os elementos para um Historiador cuidadoso, equilibrado, dispensando comodismos
e guizos, pisando, com lentidão e autoridade, o caminho áspero e maravilhoso
que leva o Homem para todas as dimensões de sua atividade no mundo.”
Em abril de 1941, envia à Gertrudes Nóbrega
no Caicó, uma obra literária de sua autoria da qual foi editado um único
exemplar, encadernado, com 45 páginas: O
poema do meu amor, vinte poemas em prosa para Tudinha, por causa de Tudinha,
cuja musa é Tudinha. Volta ao Caicó
em dezembro de 1939 para ficar noivo e pedi-la em casamento. É nomeado redator
do Serviço de Propaganda e Turismo do Governo do Estado do Rio de Janeiro. Em
dezembro de 1941, casa com Tudinha
Nóbrega em Caicó e vai morar em Niterói.
1942 marca uma nova fase da vida pública de Câmara Torres. Designado Técnico
de Educação do Estado, o então professor e acadêmico de Direito vai chefiar a
1ª Região Escolar, com sede em Angra dos Reis, no Extremo Sul do Estado,
abrangendo este município, Paraty, Mangaratiba e Rio Claro. Efetiva-se no cargo
através de concurso público de provas e títulos, com defesa de tese, oral e
escrita.
Em 1943, forma-se em Direito e vai residir em Angra dos Reis, com a
mulher e a primeira filha, recém-nascida. Angra dos Reis, a região era o
castigo dos Inspetores de Ensino, isolada do resto Estado, longínqua, sem
estradas, sem comunicações, com pouquíssimas escolas funcionando precariamente
em imóveis alugados, mínimos e deficientes serviços públicos essenciais. A
malária grassava impune em toda a região. Câmara Torres era o primeiro Inspetor
com a coragem de residir em Angra. Cria, constrói, instala, amplia, moderniza
toda a rede pública de ensino na região. Nunca o ensino público na região
atingiu níveis tão altos de qualidade e eficácia. Darcy Ribeiro, após ler um
trabalho que publiquei sobre a obra de meu pai na Educação Pública, exclamou: “Ele foi um Anísio Teixeira do Sul Fluminense”.
Ao tempo que se dedica à Educação Pública,
Câmara Torres advoga e é jornalista na região. Prossegue produzindo e
publicando artigos e ensaios de Literatura, História, Política, Educação, entre
eles, a crônica única e preciosa, Um fim
de vida, publicada em 1952 na revista Bando,
da Casa Euclides da Cunha, de Natal, sobre a morte do grande Alberto Maranhão,
ocorrida em Angra dos Reis em 1944, quando Alberto editava um jornal, plantava
banana e fabricava cachaça em Paraty.
Em
1945, com a redemocratização do País, Câmara Torres ingressa na política. Em
1954, se candidata e se elege, pela primeira vez, Deputado à Assembléia
Legislativa do Estado do Rio de Janeiro. A vida pública, a sua militância
política começara na infância. Agora, o mandato popular, resultado de eleições,
representante prioritariamente do povo do sul do Estado do Rio de Janeiro. Até
aqui, o jornalista, o educador, o advogado. Agora, também o dirigente e
militante partidário, o parlamentar, o legislador. Foram quatro mandatos de
Deputado Estadual, até 1971, votações crescentes, liderança social, política,
incontestável, consagrada por mais de trinta anos, que fizeram dele “o maior e
mais importante político da região do extremo sul fluminense no Século XX”.
Recebeu dos sul-fluminenses votações maciças, que chegaram a
ultrapassar, em certas eleições, 80 por cento dos votos válidos de determinados
municípios. A casa de Câmara Torres, primeiro em Angra, depois em Niterói,
sempre foi uma "embaixada" da região, aberta a gentes de todas as
classes sociais e cores políticas.
Fidelíssimo às comunidades que o elegiam
dedicou ao Estado do Rio de Janeiro, com elevada dignidade e correção, mais de
sessenta anos de vida pública. Como Deputado, legislou intensa e
continuadamente, pugnando pelo ensino público de qualidade e pela valorização
dos professores. Até a sua morte, foi "o
deputado das professoras", "o político da educação pública",
um batalhador por condições dignas de trabalho para os profissionais da
educação. O parlamentar Câmara Torres atuou e legislou destacadamente na área
social, em favor da região que representava, especialmente na Educação,
Cultura, Saúde, Saneamento, Transportes, Energia, Telecomunicações, Justiça,
Segurança, Turismo e Ecologia. Foi Primeiro Secretário da Assembleia
Legislativa do Estado do Rio de Janeiro. Da sua chegada à região em 1942, até
os anos de 1980, não houve iniciativa ou conquista, pública ou privada, que
beneficiasse o povo da região sul fluminense, que não contasse com a sua ação
política, a sua liderança ou participação decisiva. Hoje, a região é um dos
mais importantes pólos econômicos e turísticos do País. Câmara Torres foi o
estruturador de toda essa realidade de desenvolvimento sócio-econômico e
cultural.
Cristão, solidário, generoso, Câmara Torres jamais deixou de ouvir ou
atender qualquer um do povo que o procurasse, fosse ou não seu eleitor ou
amigo. Na política, teve adversários, jamais inimigos. Na advocacia,
contendores que o admiraram, nunca debatedores odientos. Ocupou as Secretarias
de Estado do Interior e Justiça e de Serviços Sociais, e foi membro do Conselho
Estadual de Educação.
Em 1970, ao término do seu último mandato, pagava o financiamento da
casa que residia com a família, não possuía patrimônio, porém muitas dívidas e
oito filhos, cinco deles nascidos em Angra dos Reis. Considerado um dos maiores
especialistas e executivos em Educação, aposentou-se como Consultor Técnico de
Educação. Causídico por mais de cinqüenta anos, era considerado um dos mais
brilhantes advogados do País, destacadamente no campo do Direito Civil.
De
1931 até a sua partida em 1998, portanto, durante sessenta e sete anos
ininterruptos, Câmara Torres publica, na Imprensa fluminense, carioca e
potiguar, em jornais, revistas técnicas e literárias, centenas de artigos,
reportagens e ensaios sobre a nossa realidade social, política, econômica e
cultural. Política, História, Educação, Geografia, Direito, Administração,
Literatura, Religião e Folclore. Muitos textos sobre o Rio Grande do Norte. E
mais: crítica literária, de cinema e de teatro; crônica, conto e poesia.
Prefacia obras de História, Literatura e Política. Pronuncia centenas de
conferências, orações acadêmicas, de paraninfo e discursos no Rio de Janeiro,
Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do Norte. Após o casamento em Caicó,
Câmara Torres retorna apenas três vezes a Natal e a Caicó: em 1965, em 1976 e
em 1984. Em uma delas, leva à Municipalidade o brasão de Caicó, iniciativa sua,
obra do seu amigo, o heraldista Alberto Lima.
Presidiu a Ordem dos Advogados do Brasil em Angra dos Reis e criou a
subseção de Paraty. Pertencia às Academias Fluminense de Letras, Valenciana de
Letras, à Associação Brasileira de Escritores e ao Instituto Histórico e
Artístico de Paraty, do qual é um dos fundadores. Era Sócio Efetivo deste
Instituto e Sócio Correspondente do Ateneu Angrense de Letras e Artes. Possuía
os títulos de Cidadão Fluminense do
antigo Estado do Rio de Janeiro, de Cidadão
Honorário do Estado do Rio de Janeiro do atual Estado do Rio de Janeiro e
cidadania de cinco municípios fluminenses. Foi, enfim, um importante e luminoso
personagem da Educação, da Cultura, da Política Fluminense nos últimos sessenta
anos do século XX. Morreu pobre, sem bens patrimoniais a inventariar, com o
risco de perder a casa em que morava, em virtude de ter sido avalista de dívida
alheia. Deixou para seus filhos e a geração que o sucedeu um legado moral de
idéias e obras, de honra e probidade. Câmara Torres é visto por
correligionários e adversários políticos, como "uma legenda moral de probidade e trabalho, de dedicação às causas
populares, que fazia dele um homem público por excelência, honrado, leal,
destemido e produtivo, com inestimáveis serviços prestados ao Estado do Rio de
Janeiro". Os cientistas políticos poderão ver Câmara Torres como "um verdadeiro homem público,
integérrimo no caráter e nas ações, com uma inexcedível capacidade de doação,
um cidadão e um político com uma dimensão humana e social insuperável". Angra
dos Reis homenageou a sua memória com o Teatro Municipal Câmara Torres. Paraty
com a Casa de Cultura Câmara Torres. Em 2011, o município de Rio Claro,
RJ, inaugurou, em Passa Três, a sua mais moderna e bem equipada escola, o
CENTRO DE ENSINO MUNICIPAL DEPUTADO CÂMARA TORRES, construído com recursos da
União (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação
Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação – FUNDEB). O
Aeroporto de Angra dos Reis, RJ, construído no início dos anos 1950 por Câmara
Torres, com recursos próprios, passará a se chamar, em breve, AEROPORTO CÂMARA
TORRES. Mangaratiba e Niterói se
preparam para celebrá-lo.
Prezadas Confreiras, estimados confrades,
minhas senhoras e meus senhores, Persiste, afinal, a minha indagação
vestibular:
Como
aquele menino pobre, frágil, oprimido, do Caicó, se transformou num grande
Homem do Estado do Rio de Janeiro? Eu vos respondo com algumas palavras de
significado: fé, coragem, amor, estudo, talento, doação, trabalho. Câmara
Torres provou o adágio de Polydoro: “O
homem probo tudo faz honestamente”.
E viveu a sentença de Cícero: “O homem
não nasceu só para si, mas para a pátria, mas para os seus”.
Câmara Torres fez do Bem e da Justiça um
dever, uma arte, uma vida. Muito lhe deve o Estado do Rio de Janeiro. Construiu
o seu tempo, é orgulho dos seus filhos, honrou o Rio Grande do Norte. MUITO
OBRIGADO.