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Todos nós
somos enganados no comércio, todos os dias. Não falemos nem de falsas
promoções, publicidades enganosas. Mas somente da rotina nas compras,
cotidianas, normais, regulares. São engodos, trapaças, mentiras, armadilhas,
truques, mágicas, crônicas e epidêmicas, institucionalizadas pelo mercado,
recepcionadas pela mídia, das quais somos vítimas. São preços de boa-fé, nos
quais acreditamos, crentes de que estamos pagando mais barato, “levando
vantagens”. Mas, na verdade, estamos sendo ludibriados. Alguns exemplos:
OS FAMOSOS
“DESCONTOS” DAS FARMÁCIAS E DROGARIAS – A Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos –
CMED, órgão ministerial do Governo Federal, estabelece o preço máximo consumidor
– PMC – a ser cobrado ao consumidor de todos os medicamentos que têm venda
autorizada no mercado. Pois bem. Ao comprar um medicamento em qualquer farmácia
ou drogaria do País, quando você manifesta a sua surpresa ou indignação pelo
preço cobrado, o balconista ou até mesmo o gerente, treinado, é obrigado a dizer
o seguinte: “Nós já estamos dando um ‘desconto’ de tanto, não podemos dar
mais. O preço é X, mas a mercadoria, para o senhor (ou para a senhora) é Y,
tantos por cento mais barato, um desconto que fazemos para os nossos
clientes...” MENTIRA, EMBUSTE, CRIME CONTRA O CONSUMIDOR”. O preço X, do
qual fala o funcionário, é O PREÇO DA EMPRESA, UMA ESCOLHA DA EMPRESA, DIANTE O
PREÇO MÁXIMO estabelecido pela CMED, a fim de competir com a concorrência. NÃO
HÁ DESCONTO ALGUM. PURA FRAUDE! Essa empresa pratica o preço X. A outra, o
preço W. A terceira, o preço K... e assim por diante. Não existe desconto algum,
mas somente um preço praticado por aquela empresa, compulsoriamente abaixo do
preço máximo fixado pela CMED. Se houver “desconto” será a diminuição em alguma
percentagem sobre o valor do preço da empresa. Só conheço duas redes nacionais
de drogarias, em cujas lojas, os gerentes estão autorizados a dar um real
desconto, pequeno, para o consumidor, isto é, abater sobre o preço da empresa.
E isso acontece a depender da loja da rede. Portanto, NÃO ACREDITE EM
“DESCONTO”. NÃO HÁ DESCONTO ALGUM. O QUE HÁ É O PREÇO DA EMPRESA. E PONTO
FINAL.
“CHOCOLATE
DE GRAMADO”, DE OUTROS LUGARES, ARTESANAIS, CASEIROS – Mentira.
Pura fraude publicitária. A bela cidade gaúcha de Gramado, nunca fabricou
chocolates. Nem outras, especialmente do Sudeste e Sul, cantadas em prosa e
verso, como alternativas às grandes marcas que estão no mercado. O que se faz
na Serra Gaúcha é uma CONFEITARIA DE CHOCOLATE, sobre um produto acabado,
comprado das indústrias que, efetivamente, fabricam chocolate: as paulistas
Nestlé, Mondelez (Lacta), Hershey´s Brasil (Bauduco e Visconti) e Pan; a
mineira Kopenhagen; a gaúcha Neugebauer (a primeira fábrica de chocolates do
Brasil, de 1891); as capixabas Garoto e Vitória; a baiana Chocolate Caseiro
Ilhéus, entre outras poucas. E por que “poucas”? Porque nem todas as
indústrias de chocolate produzem e podem fornecer chocolates como matéria-prima
às imponderáveis linhas de confeitarias de chocolate. Isto é, fornecer
chocolate em grandes barras ou tijolos meio-amargos ou “brancos”, ou chocolate
em pó ou líquido (licores, flavours) que servirão de base a inúmeros
produtos. Por que escrevo brancos entre aspas? Porque o “chocolate branco”, na
verdade, não é chocolate, pois não possui cacau na sua formulação, na sua
receita.
Saudades
da carioca Bhering e da paulistana Sönksen, ambas desaparecidas, que produziam
chocolates de alta qualidade: pureza, equilíbrio, delícias.
A
princípio, é necessário saber que o chocolate nasceu entre os Astecas, e, por
extensão, feito e consumido também pelos Maias, em tempos pré-colombianos, e,
inicialmente, era uma bebida, exatamente o que a palavra asteca
denominava: xocoatl, tradução: “bebida amarga”. O cacau
(cacaualtl) é uma riqueza nativa da Amazônia, do Brasil, que os índios
nômades e o jupará ou “macaco da meia-noite”, um bichinho semelhante a um
esquilo, após chupar as sementes dos frutos que caíam no solo das florestas,
fizeram com que a riqueza chegasse até o México, atravessando toda a América
Central. Cultivo tropical perene, a tradição, a Cultura Popular diz que o
cacaueiro, a árvore do cacau, que foi “a árvore da vida” na civilização asteca,
é delicada e generosa como um grande amor e a mulher amada: “Se bem cuidada,
bem tratada, bem cultivada, ela estará sempre bela, frondosa, generosa, dá bons
e doces frutos eternamente”. Entre os astecas, as amêndoas de cacau eram
moedas. O chocolate era preparado com água, pimenta-da-jamaica, mel e baunilha.
No século XVII, os espanhóis trocaram o mel pelo açúcar; no século seguinte, os
holandeses criaram o chocolate sólido, em barras; e no século XIX, os suíços
adicionaram leite ao chocolate.
Das
amêndoas, diretamente, não é feito o chocolate, “o alimento mais completo que
existe”, que foi o alimento dos norte-americanos nas duas grandes guerras, tem
sido o farnel dos astronautas e dos atletas em todas as Olimpíadas. O caminho
do fruto ao chocolate é longo, artesanal, trabalhoso, sofisticado, exige
ciência, técnica, percorre várias fases, que podem ser resumidas, no universo
rural, na colheita, fermentação e secagem das amêndoas. Elas são processadas,
beneficiadas, nas próprias fazendas pelos cacauicultores. Depois de
colhidos nas lavouras, nos cacauais, os frutos dourados dos cacaueiros (theobroma
cacao = “alimento dos deuses”, na denominação científica do
sueco Linnaeus), são quebrados, as sementes, retiradas manualmente e a polpa
que as envolve serve para preparação de doces, geléias, refrescos, sorvetes, ou
fornecida ao gado, misturada à ração. Em seguida, as amêndoas passam pelo
processo de fermentação, fase fundamental para definição do aroma e sabor do
cacau, matéria-prima do chocolate. A secagem ideal das amêndoas, outra fase
importantíssima do beneficiamento, deve ser feita ao sol, extirpados fungos e
insetos, também retiradas cascas e excessos com o pisoteio a pés descalços
pelos trabalhadores, dois processos efetivados em “barcaças”, grandes planos de
madeira com tetos móveis sobre trilhos para protegê-las das chuvas. Ao
final do beneficiamento, as amêndoas são armazenadas, acondicionadas em sacos
de cinco arrobas cada (60 kg).
Antes de
seguirem direto aos portos para embarque e exportação, ou destinadas às
indústrias de cacau, amostras das amêndoas são levadas à classificação, postas
em categorias de acordo com a sua pureza natural, consistência, forma, cor,
peso médio e aroma, por órgãos oficiais ou credenciados. Nas indústrias, setor
de alta complexidade e especialização de grandes plantas, máquinas e
equipamentos, as amêndoas passam pela torra, moagem e prensagem e são
transformadas nos derivados do cacau: pasta ou massa de cacau, primeiro e
principal produto, um “cacau integral” ou “líquor”; manteiga de cacau
(gordura do cacau), extraída da prensagem da pasta; torta de cacau, blocos do
que restou da massa prensada, que retém, ainda, trinta por cento de manteiga; e
o pó de cacau, que é a torta pulverizada.
Com esses
derivados a sofisticada indústria chocolateira, também altamente especializada
em equipamentos, pessoal, donas de receitas exclusivas, algumas centenárias,
com segredos industriais milionários etc., fabrica as várias linhas de
chocolate (sólidos, em pó e líquidos) e os inúmeros chocolates, nas suas
variadas formas, sabores, composições e texturas. Assim, basicamente, o
chocolate negro é resultado da mistura da massa de cacau, da manteiga de cacau,
do leite e do açúcar; o “chocolate” branco, apenas manteiga de cacau, leite e
açúcar; a torta e o pó de cacau são matérias-primas para uma infinidade de
chocolates sólidos e líquidos, flavours, achocolatados etc.
COMPOSIÇÃO
DO CHOCOLATE - Os chocolates de primeira
linha (Godiva, belga, por exemplo; os chocolates alemães, franceses, ingleses e
do leste europeu) são resultado de um blend, composto de “cacau
Bahia” (originário do Sul da Bahia, aonde chegou em 1746, vindo do Pará), cacau
da África ou cacau da Amazônia (ambos com grande teor de gordura) e o “cacau
fino do Equador”, fruto de uma cepa nativa, existente também na Venezuela,
Colômbia e alguns países caribenhos, de uma árvore ainda mais delicada e
vulnerável que o cacaueiro nativo, tradicional. Os chocolates de segunda e
terceira linha usam, além de muito açúcar, excessiva quantidade de gorduras
vegetais em substituição à manteiga de cacau, ingrediente nobre na formulação
do bom chocolate. A leguminosa algaroba, natural do Peru, existente em regiões
áridas, inclusive no Nordeste brasileiro, tem sido usada por alguns países
(Israel é um exemplo), na tentativa de transformá-la em sucedâneo do cacau na
fabricação do “chocolate”. Sem êxito, pois, apesar de alguns traços similares,
não consegue tomar o lugar do prestigioso alimento.
Existem
fábricas de chocolate em Gramado, Canela, Petrópolis, Itatiaia, Itaipava, Nova
Friburgo, Poços de Caldas, Campos do Jordão e outras cidades turísticas,
geralmente serranas ou estações d’água? Claro que não. O que existe nesses
lugares são confeitarias de chocolate e lojas de chocolate. Mas, perguntariam
alguns: quer dizer que não existe “chocolate caseiro” em lugar nenhum? Claro
que sim. Mas são indústrias domésticas, pequenas, mínimas, nas fazendas, nas
cidades das regiões produtoras da Bahia, Espírito Santo e Amazônia, que
fabricam produtos realmente caseiros, isto é, singelos, sem nenhum grau de
sofisticação quanto a sabor ou sabores, praticamente massa de cacau integral,
amêndoas sem peles, trituradas, torradas e moídas (chocolate amargo), depois
misturadas ao leite e ao açúcar. Ou licores de cacau, que é o chocolate puro na
sua forma líquida, acima de 35 graus. A exceção é o Chocolate Caseiro Ilhéus,
da cidade do mesmo nome na Bahia, que, adotando o empirismo centenário do
chocolate doméstico feito na maior região produtora do País, alia a ele alta
tecnologia na fabricação de produtos.
O que
essas confeitarias de Gramado e suas congêneres fazem é, após derreter os
chocolates, desenhar e esculpi-los, criando formas e figuras que se transformam
em produtos, definindo inclusive texturas. Aos chocolates meio-amargos
comprados dos grandes chocolateiros adicionam e/ou misturam cereais, frutas,
biscoitos, doces, balas, confeitos. Armazenam licores e outras bebidas
alcoólicas em garrafinhas de chocolate etc.
O ALIMENTO
MAIS COMPLETO – Portanto, ao comprar um
chocolate, que não seja um Kopenhagen, o melhor do país, ou
um Neugebauer, outra marca de excelência e qualidade, ou um
Chocolate Caseiro Ilhéus – leia, na embalagem, a composição do produto, atente
para as proporções de açúcar e de gorduras de soja e de outros vegetais.
Prefira os produtos onde prevaleçam os derivados de cacau, o leite, os mínimos
teores de açúcar e, baixos teores, de outras gorduras estranhas ao cacau. Se é
saudável consumir os meio-amargos, por possuir menos açúcar, especialmente
os diets, por outro lado, às vezes, essa redução é compensada pelo
alto teor de gorduras. Os lights diminuem porcentagem de açúcar e
gorduras, mas atente se a manteiga de cacau e os demais derivados (pasta/massa
ou torta ou pó) estão presentes e se você não está ingerindo muitas gorduras
vegetais hidrogenadas (gorduras trans). Por outro lado, não exagere, em
uma única vez, no consumo da moda: alta quantidade de cacau, 50%, 60%, 70% em
cada barra. O organismo pode reclamar.
O cacau é
um alimento riquíssimo em nutrientes, muito denso, forte, contem: magnésio
(mais que qualquer outro alimento), ferro (importantíssimo no nosso organismo),
cromo (que balanceia o açúcar no sangue), anandamida (endorfina da felicidade,
fabricada naturalmente pelo corpo humano, somente encontrada no cacau),
theobromina (bactericida que elimina cáries dentárias), antioxidantes (o cacau
é o alimento que contém a maior concentração no mundo), manganês (ajuda o ferro
na oxigenação do sangue), zinco (fundamental no nosso sistema imunológico,
fígado, pâncreas e pele), cobre (essencial ao sangue), vitamina C (o cacau
supre em mais de 20 por cento as necessidades do organismo), feniletilamina
(PEA, encontrado no cacau cru, produzido pelo nosso corpo quando nos
apaixonamos e também importante para a nossa atenção) e serotonina, principal
neurotransmissor do corpo humano.
Já o
chocolate, primogênito do cacau, misturado ao leite e ao açúcar, contem mais de
trezentas substâncias químicas que nos proporcionam prazer, bem-estar, nos
fornecem concentração mental e energia. Além da maioria dos elementos
encontrados no fruto cru e nas amêndoas beneficiadas, como escrevi acima, o
chocolate, contem, ainda, os minerais: potássio, cloro, fósforo, cálcio e
sódio, e as vitaminas A, B1, B2, B2, B3 e E.
O consumo
per capita de chocolate no Brasil é de apenas 2,5kg por ano, um dos mais baixos
do mundo, inferiores aos de todos os países das três Américas. Em todo o mundo,
o chocolate é considerado um alimento, normalmente consumido numa pequena
quantidade, uma barrinha após as refeições. Aqui, para nós, ele é uma
“guloseima”, um supérfluo. Só comemos chocolate na Páscoa, Dia dos Namorados e
Natal. E muito, exageradamente. Na década de 1980, minutei projeto no Congresso
Nacional para introdução do “chocolate em pó” na merenda escolar e nos farnéis
das Forças Armadas. Indefinidos e dissimulados lobbies conseguiram
o arquivo da propositura. Também idealizei proposta legislativa para a fixação
compulsória do prazo para consumo de qualquer chocolate ou achocolatado. O
governo federal de então, sabedor da nossa intenção, felizmente, foi sensato e,
mais rápido que o processo legislativo, normatizou a perecibilidade do produto.
Hoje qualquer barrinha ou bala de chocolate traz as datas de fabricação e
vencimento para consumo. Como vimos, o chocolate é um alimento muito forte,
rico em nutrientes e digerido em quantidade pode em exagero ser laxante.
Lembremos da nossa infância, do Licor de Cacau Xavier contra
as constipações intestinais. Prove, além dos nacionais que recomendei acima, as
barras com o máximo de 50% de cacau, meio-amargas, importados do Equador, que
há alguns anos lotaram, com preços baixos, as gôndolas dos supermercados.
Agora, andam meio sumidos. Chocolate com formulação bem equilibrada e com gosto
de cacau.
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