Depois que um amigo me
contou que foi testemunha ocular de o fato que agora narro, nada mais me
surpreende nesse mundo dos “intelectuais” ortodoxos, sectários e convictos. Ele
se aproximou do personagem para se certificar de que não era uma ilusão de
ótica ou um erro de identificação. Ou se seria um sósia a pessoa a poucos
metros dele. Numa igreja da Tijuca, zona norte do Rio, este meu amigo flagrou o
historiador materialista dialético, marxólogo, teórico respeitado
nacionalmente, ateu praticante, autor de dezenas de livros, aclamado por
leninistas, trotskistas e maoístas, o coronel Nelson Werneck Sodré, já
provecto, meses antes de falecer, orando, de pé, contrito, tocando uma imagem
de Nossa Senhora. Chegou bem perto do intelectual comunista para confirmar o
que via. O coronel estava com os olhos marejados e balbuciava humilde e
piedosamente. Até aí nada demais. Compreensível. Ao Homem, na sua pequenez,
continência e contradições cotidianas, qualquer mudança no pensamento, no
coração e no espírito é permitida e tolerável, mesmo que imprevisível. Porém o
que constrange e decepciona o observador social são aqueles sujeitos arautos de
determinada ideologia, partido ou posição política, que, ordinária e
regularmente, fogem de si mesmos, mentem, “posam para fotografia”, surfam em
onda alheia, dissimulam, interpretam, sempre, papéis, os quais, publicamente, negam
ou não admitem em hipótese alguma.
Mas o Rio está enxameado de
lacerdistas enrustidos, herdeiros daquele Carlos Lacerda talentoso e feroz,
incoerente, virulento e oportunista, que professou, na juventude e maturidade,
todos os credos políticos imaginários, com exceção do monárquico, mas
pontificou, glorificou-se mesmo como a mais execrável Direita, calhorda,
antinacional, entreguista, manipuladora da frágil e vulnerável classe média,
que Darcy Ribeiro denominava de “Direita Tarada”. Era um balaio no qual
poderíamos ajuntar, ontem, além de Lacerda, um Amaral Neto, um Roberto Campos,
Sandra Cavalcanti, Médici, David Nasser, Cantídio Sampaio, ACM e outros vultos. E, hoje, um Bolsonaro, um Pastor Everaldo, Dornelles, entre outros.
Os
remanescentes do Lacerdismo têm pudor de se revelarem como tais, de mostrarem o
rosto lacerdófilo, da “direta tarada”
que levou Getúlio Vargas ao suicídio e apoiou o Golpe Militar de 1964.
Recentemente, vivi alguns exemplos desse receio e dissimulação. Um deles, e o
mais emblemático, foi a manifestação de um “jornalista” que posa de “trabalhista
histórico” – imaginem! – quando escrevi sobre a última vez que eu vi Carlos Lacerda.
Foi em Paraty, RJ, no início da década de 1970, intermediando transações
imobiliárias complexas, no mínimo “suspeitas”, dizia-se. Era madrugada e Lacerda
estava meio grogue, sob chuva fina, sozinho, numa das ruas do Bairro Histórico,
admirando sobrados e casarões.
Após
ser agredido e insultado pelo pseudojornalista em decorrência deste episódio, que
me acusou de “descuidado e ficcionista”, disse ao sujeito que ele continuava “um
ginasiano, após décadas de ‘Jornalismo’. E que nunca deixou de ser um
lacerdista”. Além disto, e por conta da discussão em que eu não tinha
contendor, mas somente um detrator farsante, sobre o dorso da arrogância, chamei-o
de “incivilizado, mal educado e analfabeto
político, histórico e cultural. Afinal, falecido”. A um suposto e
circunstancial amigo comum, eu disse que o lacerdista enrustido era apenas “um ex-repórter
esperto, um ex-editor medíocre, como centenas que estão por aí.
Intelectualmente, um asno, um "intelectual de orelha de livro". Profissionalmente, um incapaz. Moralmente, um pulha, inescrupuloso." Infelizmente, com um lacerdista dissimulado, a mesma violência, as mesmas armas de quem Samuel Wainer apelidou de "O corvo", agourenta e traiçoeira ave, amoral, sem nenhum caráter, como costumava qualificar essas espécies, o genial Nelson Rodrigues.
Seria mais normal e saudável, democrática e
historicamente compreensível e aceitável, se os que comungam com as ideias e
pensamento de Carlos Lacerda, seus viúvos e sectários envergonhados, assumissem
essa condição e mostrassem o rosto, fizessem os seus discursos. Mas a realidade
mostra os insistentes disfarces, escapismos e dissimulações ineficazes.
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