(Gazeta do Povo, de Curitiba, PR) |
Cada indivíduo tem o seu
próprio ritmo orgânico e mental. Cada exercício tem, também, o seu próprio
ritmo. E determinado exercício praticado por determinada pessoa tem um terceiro
ritmo. Não existe uma música ritmada que marque todos os exercícios aeróbicos e
de musculação de todas as pessoas, dentro ou fora piscina. Não existe uma
música comum, que sirva a todos.
Ginástica exige atenção,
disposição, concentração e realização responsável, sintonia, ritmo, harmonia
entre mente e corpo, orientação, obediência às regras da sua execução. Esse som
que transforma academia em boate de meretrício e botequim de última categoria,
com cerveja quente e música alta, apenas aliena o indivíduo de si mesmo, afasta
o praticante da ginástica do seu exercício, dispersa os sentidos, o
desconcentra, "distrai" como admite os aficionados do barulho, quando
a sua mente, o seu corpo, postura, respiração, todos os sentidos deveriam estar
dirigidos e empenhados no próprio exercício. O barulho na academia, que os seus
adeptos chamam de "música", e geralmente da pior qualidade, só faz
entorpecer e imbecilizar ainda mais os alunos de academia.
Música é uma arte para ser
ouvida, tocada ou dançada em lugar e momento apropriado. E música-ambiente
ritmada não se adéqua a um lugar multidisciplinar, onde diversas pessoas devem
estar concentradas, executando as lições de diversos exercícios de vários
tipos, com diversas durações e de diversos ritmos, com distintas finalidades. Alguns
alongam músculos e tendões, outros se dedicam a práticas aeróbicas (esteira,
bicicleta etc.), e terceiros fazem musculação. A rigor, a princípio, em tese,
nenhuma música - de excelência, mediana ou ruim, popular, folclórica ou erudita
- deveria estar em espaço multidisciplinar, plural, de academia alguma.
A música era, outrora,
seletiva e específica, marcando os pontos dos exercícios da milenar calistenia,
da ginástica de solo clássica, com ou sem halteres, barras e bastões, e hoje,
também seletivamente, pode fazer parte dessa ginástica marcada. E, ainda, da
ginástica artística e de certos exercícios da ginástica olímpica. Os compêndios
e manuais clássicos da matéria, os livros de Educação Física e de Ginástica de
autores de prestígio internacional, editados nos EUA, na Europa e Oriente,
recomendam a prática da ginástica sem música. Entre nós, o consagrado Nuno
Cobra orienta no mesmo sentido.
A música ouvida por um atleta
individualmente no seu treinamento, e na ginástica, também individualizada, por
uma pessoa, é válida, estimulante, até útil, necessária. Da mesma forma, um
grupo praticando exercício único, coletivo, ritmado, com um guia, professor ou
orientador, dentro ou fora da piscina, tem na música um auxiliar
didático-pedagógico válido, importante. "Eliminar o baticum
irracional e torpe das academias parece impossível, a reação contrária é quase
absoluta" - justificam-se os professores. Quando, milagrosamente, a
aparelhagem de som pifa e os sons e ruídos são apenas do ambiente, das
pessoas, professores e alunos, já ouvi algumas pessoas, uma minoria, é claro,
exclamarem: "Que bom sem música, parece que tudo sai melhor, com mais
acerto e rendimento..." Mas estamos numa democracia, o regime das
maiorias que crucificaram Cristo, glorificaram Hitler e elegeram, duas vezes,
Bush. E, infelizmente, enquanto não houver direção técnica competente, enquanto
não prevalece a razão, reinam os clientes, os alunos, "o melhor
critério": o das maiorias, mesmo que insanas.
O escapismo irracional do
falso bordão "gosto não se discute", e se discute sim, em todos os
campos do pensamento, de atividades, da arte e do comportamento humano; e a
resposta vazia e irresponsável dos donos de academia e seus professores "Não se pode agradar a todos, cada um tem um
gosto..." – apenas confirma a asneira, segundo a qual o aluno de
academia é quem determina o que deve ser feito e como deve ser feito. Seria
como um paciente dizer ao médico que quer tomar tal remédio, fazer tal terapia,
durante o período "x" e na forma "y".
O barulho nas academias é um
instrumento a transtornar e a transformar alunos de educação física em
consumidores tontos, alienados e dóceis, que cumprem séries de exercícios sob
intenso e desconcertante barulho, suam, falam alto para serem ouvidos, suam
mais um pouco e vão para casa exaustos, meio surdos, certos de que fizeram bem
ao corpo, à mente, melhoraram a saúde. Realmente, apenas e literalmente,
"malharam", agrediram bastante o corpo, a mente, o espírito, se
esgotaram, como estivessem num trânsito engarrafado, sob um buzinaço.
Mas não praticaram ginástica de forma inteligente, segura, responsável e
saudável.
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