quarta-feira, 26 de outubro de 2016

Revelações de personalidades da Política e da Cultura Brasileira

 Darcy Ribeiro – O Vulcão de idéias, meu mestre, saudoso amigo, íntimo, sofria de insônia intelectual. Fui seu assessor e editor no Senado por mais de dois anos. Muitas vezes, chegava pela manhã ao Senado meio abatido, cansado e desabafava: “Marcelo, não dormi quase nada. Pensei a noite toda. Tanta coisa para fazer: projetos, a causa da Educação, a defesa dos índios, o Brasil dono do seu destino... Eu penso muito, dia e noite. Pensar cansa, Marcelo, cansa muito”. O meditar não permitia que ele dormisse. Em outro ambiente e em outra hora, no mundanismo afetivo, Darcy se revoltava quando sabia que dois ou três amigos abriam uma garrafa de uísque, de vinho (suas bebidas preferidas) ou mesmo de cachaça, e não a secavam. Não se conformava: “Como abrir e não tomar tudo? Que não abrissem... Isto é um absurdo, inadmissível, insensatez.”

Johnny Alf – Fomos amigos. Trabalhei com ele no início dos anos 1970. Personalidade dificílima no trato. Para mim, pior que João Gilberto, João Donato e Edu Lobo, dos quais tantos reclamam. O seu biógrafo, João Carlos Rodrigues, jornalista e pesquisador corretíssimo, me contou o fato. Depois publicou. Mas creio que pouca gente sabe as razões do fato. Em 1964, Johnny gravou doze músicas da Bossa Nova, todas em inglês, algumas vertidas por ele, para um LP, que seria lançado nos EUA, seu passaporte para uma ida àquele País: quatro do próprio Johnny, três de Newton Mendonça e Tom Jobim, duas do Tom, duas do Menescal e Bôscoli e uma do Sérgio Ricardo. Ella Fitzgerald e Sarah Vaughan o esperavam. O mundo do jazz norte-americano aguardava ansioso o menino negro de Vila Isabel, filho de uma empregada doméstica, que foi o primeiro compositor, o pioneiro da estética Bossa Nova. O disco não foi lançado porque Johnny, na última hora, justificou-se: “O meu pai-de-santo ordena que o disco não seja prensado e que eu não deva viajar para os Estados Unidos”. Eu tenho as gravações raríssimas, inéditas, que me foram presenteadas pelo competente João Carlos Rodrigues. Afora a timidez patológica, Johnny fez carreira dirigida pelo seu pai-de-santo de plantão. E, por isto, não deslanchou como deveria. Desistiu de importantes convites, cancelou shows, alterou agendas. Eu vivi alguns desses cancelamentos e desistências. No Brasil, ninguém conhecia mais Cultura norte-americana do que Johnny Alf, especialmente a língua inglesa falada nos EUA e as artes (música, cinema, teatro, dança, artes plásticas etc.)

ZiembinskiZbigniew Ziembinski, ator e diretor que revolucionou o teatro brasileiro com Vestido de Noiva, de Nelson Rodrigues (1943), era abstêmio, não bebia nem cerveja. Mas, em 1968, ao filmar Brasil Ano 2000, do meu amigo Walter Lima Júnior, em Paraty, RJ, tomado pela beleza do lugar e pelo ambiente boêmio, tomou comigo e mais um amigo, dois porres de cachaça, cachaça pura, num bar flutuante sobre o Rio Perequeaçu.

Newton Mendonça: o mais importante
compositor da Bossa Nova
(Foto: Acervo da Família Mendonça)
Newton Mendonça – O maior compositor da Bossa Nova, primeiro e fundamental parceiro de Tom Jobim, pianista falecido aos 33 anos em 1960, do qual sou o único biógrafo, somente comia feijão com arroz, se este fosse uma ilha no prato, cercado pelo feijão. Uma mania adquirida na infância. Também só tocava música erudita – quase sempre Beethoven, Chopin, Liszt, Debussy e Rachmaninoff – na sala do apartamento, sozinho, no escuro, com luz apagada. As manias me foram comunicadas pela irmã de Newton, Norma Mendonça (1926-2007).

Hélio da Rocha Pitta – O famoso Professor Pitta, de Matemática, Física e Desenho, formou gerações no Colégio Naval, na Escola Naval e no IME, no Rio. Nascido em Araxá, MG, era filho de uma russa e de um negro. Possuía apenas o diploma de nível médio do Liceu de Artes de Ofícios do Rio de Janeiro. Não tinha formação superior, era autodidata. Mas podia lecionar em qualquer universidade do mundo, pois era portador de um certificado de “Notório saber”, do MEC. Como Zanine Caldas, que não tinha curso universitário, mas o título de “Arquiteto Honorário” do IAB. Pitta foi um sábio, um gênio. Durante a Segunda Guerra, Hitler o convidou para produzir uma bomba atômica na Alemanha. Recusou. Depois, ainda da década de 1940, planejou uma viagem à Lua, projetou um foguete brasileiro para a viagem. O Governo não lhe deu apoio, o projeto frustrou-se, mas ele disse que o Homem chegaria à lua na década de 1960. E chegou. Conheci um dos tripulantes brasileiros da viagem que não houve. Pitta era um homenzarrão, com uma voz de trovão, 1,90m de altura, um Hulk, lutava karatê, remava, jogava basquete e fazia ginástica diariamente. E uma pessoa gentil, doce, de fala mansa e baixa. Convivi com ele nas décadas de 1950 e 1960 em Angra dos Reis, e, depois, no final da vida no Rio, nos reencontramos, onde bebemos cachaça juntos, sua única bebida. Aos 82 anos, fazia o supino com 120kg. A última vez que nos vimos foi no lançamento do seu último livro, que demonstrava a existência de Deus através da Física. Perguntei-lhe: "Como é Deus?" Ele respondeu: "É sério, severo, ri pouco. Tem cara de bravo. Mas é justo, generoso".

João Goulart – Jango contou para Darcy e este me fez esta histórica e inédita revelação. João Goulart, Ministro do Trabalho de Getúlio, participou da tensa e fatídica reunião do Ministério no Palácio do Catete, na noite de 23 de agosto de 1954. Na saída, o Presidente lhe entregou um envelope fechado, pedindo ao seu herdeiro político predileto: “Abra somente amanhã quando acordar”. Jango, gaúcho, bom bebedor, tomou uns tragos para relaxar e foi dormir. Despertou com o alvoroço nas ruas, gritos. Ligou o rádio e ouviu a notícia do suicídio de Vargas. Lembrou-se do envelope, abriu-o e leu. Era uma via do rascunho manuscrito da Carta Testamento, assinada pelo Presidente, com todo o conteúdo que se conhece. Jango, estupefacto, atordoou-se. Tomou um banho gelado e rumou para o Catete, onde se deparou com toda a tragédia. A forma final da Carta Testamento foi feita pelo assessor de Getúlio, José Soares Maciel Filho, segundo um sobrinho deste, Queiroz Campos, me confidenciou.

Arthur Moreira Lima – O pianista carioca foi o brasileiro mais aplaudido da História. Durante cinco minutos ininterruptamente, Arthur foi ovacionado por uma platéia de pé, em delírio, após ouvir o brasileiro, então com vinte e quatro anos, na final do Concurso Internacional de Piano Fryderyk Chopin, em 1965, em Varsóvia. Quem me informou a proeza foi um diplomata polonês presente ao evento. Apesar da consagração da platéia, ficou em segundo lugar, atrás da vencedora, a argentina Martha Argerich. O segundo brasileiro mais aplaudido em todos os tempos foi o engenheiro e físico José Walter Bautista Vidal (1934-2013), pioneiro das políticas de Energias Alternativas no Brasil, quando foi aplaudido, igualmente de pé, por cerca de três minutos num Congresso Internacional de Energia, em Washington, EUA.

Tom Jobim – A decadência da Música Popular Brasileira vem de longe. Após a Bossa Nova e o Tropicalismo, com raras exceções, nada aconteceu. O consagrado advogado e pianista Jorge Bejar me relatou a visita que fez à residência de Jobim em meados da década de 1980. Bejar perguntou a Tom: “E essas músicas que estão fazendo sucesso hoje em dia, você gosta?” Tom respondeu: “Isso não é música. É barulho. É a aporrinhola.” Amigos comuns, meus e de Tom, me contaram outra, entre tantas, do conhecido humor de Tom, que, por diversas vezes, foi visto bebendo chope nos pontos cariocas onde era sempre encontrado, com o braço esticado, erguido sobre a cabeça, segurando o copo. Os presentes interrogavam: “O que é isto, Tom?” Ao que ele retrucava: “O médico mandou que eu suspendesse a cerveja”.

Graciliano Ramos – O genial escritor, ateu, tinha a Bíblia como livro de cabeceira, e só bebia cachaça. E foi assim durante toda a vida. Um amigo meu, seu vizinho no Catete, Rio de Janeiro, me contou que o autor de Vidas Secas tinha como companheira uma pinga de nome Azuladinha, do Engenho de Bernardo Rollemberg, de Coruripe, das Alagoas. Degustei-a em 1995. Cachaça mediana, apenas bebível, longe da Excelência Sensorial. Aliás, o nome da pinga – Azuladinha - é, na verdade, um diminutivo do tipo de cachaça Azulada (pela lei em vigor, hoje, “Cachaça composta”), nascida em Paraty, no Século XIX. Trata-se de uma cachaça nova, branca, que recebe na panela do alambique folhas de tangerina, conferindo-lhe, contra a luz, um tom azulado. Não há mudança no aroma ou no sabor. No início do Século XX, o Nordeste se apropriou do nome “Azulada”, transformando o tipo de cachaça em várias marcas de cachaça, substituindo as folhas de tangerina por cascas de banana d’água, o que provoca o mesmo efeito cromático.

Baden Powell – Baden contou para o músico Fernando Mendonça (1959-1999), filho de Newton Mendonça, e este me contou. No início dos anos 1960, Baden, ainda solteiro e morando na Zona Norte do Rio, iniciava a sua luminosa carreira que o tornaria o maior violonista brasileiro do Século XX. Arranjava o único LP da excelente Célia Reis, que criava Só danço o samba, de Tom e Vinicius, faixa onde o MPB-4, de Niterói, que ainda eram três, aparecia pela primeira vez. Baden tocava violão em todo o disco O samba é Célia Reis. Depois de uma noite numa zona de meretrício, com muito sexo e álcool, Baden dorme e quando acorda vê suas unhas muito bem cortadas, curtíssimas, as mesmas unhas que tangiam brilhantemente as cordas do violão. A prostituta explicou-se: “Você estava com as unhas tão grandes... Me deu pena de você. Resolvi cortar.” Foi-se, momentaneamente, o ganha-pão de Baden.


Tim Maia – Num final de tarde, adentra ao escritório do meu amigo Jorge Beja, o polêmico cantor e compositor Tim Maia. À época, ele havia comprado, fazia dois anos, um apartamento na planta, da Construtora Veplan, que não lhe entregava o imóvel já quitado. Deixou toda a documentação, assinou a procuração e pediu a Beja: “Por favor, doutor, não entre na Justiça antes de eu ligar para o senhor. Se eu não ligar é porque eu mesmo resolvi a parada.” Beja, curioso, interrogou: “Mas por qual motivo?” Tim esclareceu: “Vou primeiro procurar os caras (se referia à Veplan). Vou mostrar e cantar para eles uma música que fiz e vou gravar”. Beja, mais curioso ainda, perguntou: “Você pode cantar essa tal música para mim?” Tim soltou o vozeirão: “A ave plang, a ave plang / A ave plang é rapineira, / Sai fora dela, / A ave plang é traiçoeira, eira, eira, eira / Ave plang traiçoeira, eira, eira, eira...” Beja lembra apenas deste refrão, mas a letra era enorme, contava a história de uma ave com o nome de “plang”. Tim nunca ligou para Beja. Dois meses depois, Beja ligou para Tim para saber como ficou o caso. Tim explicou: “Obrigado, seu doutor. Já estou morando no apartamento. Não precisa ir pra Justiça não. Cantei a música para o dono da construtora e eles me entregaram o ap. em uma semana. Esperei dois anos e resolvi tudo em uma semana”. 



***********************************

Nenhum comentário:

Postar um comentário